Em 10 anos, programa estadual já salvou 670 crianças, adolescentes e famílias ameaçadas de morte no CE
Ameaçadas de morte: Iniciativa retira pessoas de situação de vulnerabilidade e perigo e dá oportunidade para que elas recomecem em locais seguros
Vidas ameaçadas por violência doméstica e situações diversas de vulnerabilidade que se veem sem saída são alvos do Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte no Ceará (PPCAAM/CE) há 10 anos. Desde a criação da iniciativa, 670 pessoas já foram salvas no território cearense, não só os jovens, mas também os núcleos familiares que os acompanham.
Um total de 251 casos foram incluídos no Programa desde 2013. Neste ano, somente no mês de abril, 49 pessoas foram atendidas, entre casos transferidos para outras Unidades da Federação e acompanhamentos pós-desligamento. Ainda em 2024, 36 pessoas ingressaram sob a proteção do PPCAAM, mas novos casos chegam semanalmente, de acordo com a Secretaria dos Direitos Humanos do Ceará (Sedih).
A iniciativa é comandada pelo Núcleo de Assessoria aos Programas de Proteção (Napp) da Sedih, e colocada em práticas pelo Instituto Terre des Hommes Brasil (TDH), uma entidade que desenvolve metodologias para garantir direitos a jovens.
Os programas de proteção retiram crianças, adolescentes e núcleos familiares ameaçados e os leva para locais seguros, onde elas possam recomeçar e dispor de serviços essenciais. Há casos em que é necessário realizar mudança de estado, e não só de endereço, a depender da gravidade da situação. Como resultado positivo, nenhum homicídio de protegidos foi registrado ao longo da última década.
“Durante os 10 anos de execução do PPCAAM/CE, mais de mil pessoas foram atendidas pelo Programa, tendo sido recebidas 908 solicitações de ingresso, com 251 casos incluídos e um número expressivo de 670 vidas salvas na proteção. Importante ressaltar que durante esse período ocorreu morte zero dentro do Programa. Esses números incluem, além das crianças, adolescentes e jovens, o núcleo familiar que os acompanha”, explica Patricia Meireles, Assessora Técnica do Núcleo de Assessoria dos Programas de Proteção da Secretaria dos Direitos Humanos do Estado do Ceará.
Quando foi implantado no Ceará, o intuito era sanar os índices de letalidade entre crianças e adolescentes, dando cumprimento ao que diz a Doutrina de Proteção Integral do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Nesta sexta-feira (12), um evento alusivo a década de atuação do Programa será realizado no auditório do Centro de Convivência do Centro Integrado de Segurança Pública (CISP).
Como o Programa de Proteção atua?
A atuação começa por meio das chamadas “portas de entrada”, que são o Poder Judiciário, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), a Defensoria Pública e o Conselho Tutelar. Os órgãos preenchem uma ficha e indicam quais serviços a pessoa protegida vai necessitar. Uma vez aprovados, os atendidos podem dispor de:
- Psicólogos,
- Assistentes sociais,
- Advogados,
- Educadores sociais.
Após essa fase, começam as etapas que antecedem e sucedem à proteção:
- Entrevista de avaliação;
- Inclusão (familiar ou individual em acolhimento institucional, moradia independente e Família Solidária);
- Adaptação;
- Reinserção Social;
- Fortalecimento de vínculos familiares e comunitários
- Desligamento;
- Pós-desligamento (em casos específicos)
Os benefícios para o atendido vão desde a preservação da própria vida, através da sua realocação em local seguro, como a sua reinserção social nesse novo local, auxiliado sempre pela equipe técnica multidisciplinar e pelos educadores sociais do Programa. Nessa nova etapa de vida, os meninos e meninas em proteção terão atendidas as suas demandas nas diversas áreas: educação, saúde, assistência social, trabalho e renda para os familiares. Todas as ações do Programa são voltadas para a garantia de direitos fundamentais de crianças e adolescentes, inclusive a garantia do direito à convivência familiar.
São elegíveis crianças até 12 anos, adolescentes até 18 anos incompletos e jovens até 21 anos egressos do sistema socioeducativo, além de seus núcleos familiares.
“Estamos trabalhando para renovar o projeto e dar continuidade às ações do PPCAAM no Ceará, com ampliação e fortalecimento das ações como acontecem e também de novas modalidades de proteção. Com isso esperamos conseguir atender e acolher ainda mais pessoas”, pontua a assessoria técnica Patrícia Meireles.
Para um caso entrar no Programa, os profissionais consideram a urgência e a gravidade da ameaça; a situação de vulnerabilidade e o interesse do ameaçado; a preservação dos vínculos familiares e a disponibilidade orçamentária.
Rachel Saraiva, da Sedih, explica que há algumas modalidades de proteção a partir da análise do caso. Se a família acompanhar a criança o adolescente, a princípio, o Programa vai garantir moradia, alimentação e todas as necessidades básicas para uma vida digna, até que haja possibilidade de o núcleo ganhar autonomia.
Porém, se o jovem chegar desacompanhado, “e não é raro” – seja porque os pais não têm disponibilidade, ser órfão ou não ter outros vínculos -, há 3 possibilidades:
- acolhimento institucional (abrigo provisório);
- família solidária, estratégia de cuidado com uma família preparada para isso;
- moradia independente, se estiver na iminência de atingir a maioridade ou tiver entre 18 e 21 anos e for egresso do sistema socioeducativo.
Pela legislação do Programa, o protegido pode ser acompanhado por um ano, prorrogável por mais um. Contudo, em geral, essa média no Ceará está em torno de 6 meses.
Influência do crime organizado
Originalmente, o PPCAAM nacional surgiu como resposta emergencial ao aumento da violência letal contra crianças e adolescentes. Mas, segundo o defensor público Francisco Rubens Lima Júnior, a situação se agravou nos últimos anos com o crescimento da influência de organizações criminosas, especialmente na periferia de Fortaleza e na Região Metropolitana.
“Como nosso núcleo tem sido referência nessa questão da proteção, é comum recebermos famílias expulsas, com a roupa do corpo. As demandas chegam espontaneamente ou quando realizamos atendimentos nas unidades socioeducativas”, explica. Na Capital, há 10 centros socioeducativos que recebem visitas semanais dos defensores. Lá, se escancaram os conflitos territoriais e ‘ameaças de morte gravíssimas'”, diz o defensor do Núcleo de Atendimento aos Jovens e Adolescentes em Conflito com a Lei (Nuaja).
A eficiência do projeto é celebrada, e muito disso se deve à discrição do processo, segundo o juiz Manuel Clístenes, titular da 5ª Vara da Infância e da Juventude de Fortaleza, membro do conselho gestor do PPCAAM-CE e representante do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) no Programa Nacional.
“Para não deixar rastro, praticamente só falam para onde vão na hora da saída”, resume.
Conforme Clístenes, embora o Poder Judiciário seja porta de entrada para o Programa, foi a Defensoria Pública que mais se especializou nos protocolos e fluxo dos pedidos. Assim, na prática, e por meio de uma parceria, os defensores peticionam a solicitação de inclusão no Programa, e os juízes responsáveis despacham as decisões – muitas delas no mesmo dia.
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