Entrega voluntária de recém-nascido à adoção não é crime: regulamentação no DF quer proteger direitos da gestante e do bebê
Entrega voluntária de recém-nascido à adoção: TJDFT publicou portaria para regulamentar lei no Distrito Federal. Segundo CNJ, 596 crianças integram o Sistema Nacional de Adoção, até maio de 2023, por meio da entrega voluntária. No DF, são 12 bebês
Proteger os direitos da gestante e do bebê são os objetivos da regulamentação da entrega voluntária à adoção. A norma, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), foi regulamentada no Distrito Federal em setembro, por uma portaria do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).
O documento traz indicações para a confidencialidade, proibição do constrangimento e o direito de sigilo do processo no DF. No Brasil, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 596 crianças foram colocadas para a adoção, em 2023 até maio, por meio da entrega voluntária. No Distrito Federal, foram 12 bebês.
Segundo a advogada Ludmila Mendes, especialista na área de direito de famílias e sucessões, a portaria do TJDFT representa um avanço, pois aborda com nitidez o respeito aos direitos da gestante e do bebê até o momento da entrega.
“Avança no sentido de institucionalizar e de regulamentar a entrega voluntária à adoção sem esquecer os direitos de todos os entes da família: a gestante ou a parturiente e o bebê”, diz a advogada.
Ludmila Mendes destaca a importância social da regulamentação para que profissionais de saúde, do serviço público e a população se sensibilizem e compreendam que a entrega voluntária de um recém-nascido à adoção não é um crime.
“Muita gente acha que é um crime, muitos bebês são deixados em lixeiras, em caçambas, em hospitais, mas existe a possibilidade da entrega segura e voluntária do bebê. Não é crime, é uma possibilidade prevista em lei”, explica Ludmila Mendes.
O abandono de bebês, como citado pela advogada, em lixeiras, na rua, é crime. De acordo com o Código Penal, a detenção por abandono de recém-nascido pode variar de 6 meses a 6 anos, se houver lesão corporal ou morte do bebê.
Como funciona o processo de entrega voluntária?
A entrega voluntária para adoção só pode ser feita por meio do Poder Judiciário. Registrar o filho de outra pessoa como se fosse seu ou atribuir parto alheio como próprio é crime previsto no artigo 242 do Código Penal, com pena de 2 a 6 anos.
Já transferir uma criança ou adolescente a terceiros, sem autorização judicial, desrespeita o artigo 30 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A portaria do TJDFT determina três etapas para a entrega voluntária à adoção em Brasília:
- Manifestação do interesse da gestante em realizar a entrega voluntária à adoção
- Acompanhamento de advogado ou defensor público e equipe interprofissional durante a gestação
- Audiência final para dar a sentença de extinção do poder familiar
A gestante que quer entregar o recém-nascido à adoção pode procurar a 1ª Vara da Infância e Juventude, localizada no final da Asa Norte, para formalizar o procedimento judicial. Mas a opção pela entrega para adoção também pode ser comunicada em outros locais:
- Unidades da rede de saúde pública ou privada do Distrito Federal
- Instituições de ensino
- Centros de Referência de Assistência Social (CRAS)
- Centros de Referência Especializada de Assistência Social (CREAS)
- Conselhos Tutelares
- Demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos da criança e do adolescente
Depois de comunicar que quer fazer a entrega voluntária, a gestante é acompanhada durante todo o processo por defensor público ou advogado e uma equipe que conta com serviço de assistência social, jurídica e psicológica. Uma entrevista é realizada para que ela receba a orientação jurídica qualificada.
“Esta iniciativa promove o acolhimento dessas gestantes por uma equipe multidisciplinar, que vai orientar e esclarecer todos os direitos, além de dar apoio psicológico para a mulher decidir de forma consciente, sem questão da culpa, sem esse julgamento social”, diz a advogada Ludmila Mendes.
A parturiente recebe uma carta de apresentação para informar que está sob acompanhamento do Poder Judiciário e a unidade de saúde onde o parto vai ocorrer é notificada para que haja um atendimento humanizado e acolhedor. O objetivo é evitar constrangimentos e assegurar o sigilo do processo.
Se a gestante quiser, pode não ter contato com o recém-nascido e não escolher o nome. O registro será feito com o nome de algum dos avós ou outro familiar da gestante. Se não houver estes dados, o juiz colocará nome e sobrenome comuns.
Cerca de 10 dias após a alta hospitalar da gestante, quando ela tiver condições de saúde, uma audiência para confimação do consentimento sobre a adoção é realizada. Além da presença da mãe biológica, o pai registral ou indicado também é ouvido na audiência.
Depois do consentimento de ambas as partes e de um prazo de 10 dias depois da sentença, o juiz declara extinto o poder familiar, a criança entra no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) e um novo processo para adoção do bebê é iniciado.
Cerca de 6.161 pessoas estão na lista para adoção de crianças de até 2 anos no país, segundo o CNJ. No Distrito Federal, dos 537 interessados em adotar uma criança, 94 pessoas têm preferência por bebês de até 2 anos.
Direito ao arrependimento
A gestante pode decidir por não entregar a criança para adoção até 10 dias após a sentença, que é definida alguns dias depois da audiência final. Durante todo o processo, até a última audiência, a parturiente também pode escolher não realizar a entrega voluntária do bebê à adoção e comunicar a equipe multidisciplinar ou advogado ou defensor público que a acompanha.
Se houver arrependimento, a criança fica com os genitores e a família é acompanhada por um período de cerca de seis meses.
Avaliação psicológica, aborto legal e sigilo
A equipe interprofissional, que acompanha a gestante durante todo o processo, tem como objetivo certificar alguns pontos da entrega voluntária à adoção e dos direitos da parturiente como a realização de uma avaliação psicológica e se foi informado para a gestante sobre direitos de proteção como o aborto legal. Confira abaixo:
- se a vontade da gestante é fruto de decisão amadurecida e consciente ou se é determinada pela falta ou falha de garantia de direitos
- se, respeitando o sigilo em caso de gravidez resultante de estupro, a gestante foi orientada sobre o aborto legal
- se foi oferecido apoio psicossocial e socioassistencial para evitar que fatores socioculturais e/ou socioeconômicos impeçam a tomada de decisão amadurecida
- se as condições cognitivas da gestante reclamam apoio para a tomada de decisão
- se as condições emocionais, psicológicas, inclusive eventuais efeitos do estado gestacional e puerperal, demandam avaliação clínica apropriada e o prazo estimado para tratamento
- se a gestante tem conhecimento da identidade e paradeiro do pai e da família paterna, e se precisa de suporte para contato e mediação de eventuais conflitos – exceto no caso de requerer sigilo quanto ao nascimento.
O direito ao sigilo é garantido para todas as gestantes que pedirem ou solicitarem durante o processo, como destaca a advogada Ludmila Mendes. A gestante criança ou a gestante adolescente, inclusive, podem pedir em relação aos seus genitores, caso em que uma medida protetiva será aplicada.
“O sigilo que a lei confere é que não haverá publicidade do processo, não será divulgado ou informado”, destaca a advogada.
A criança adotada, segundo o ECA, tem direito ao conhecimento da origem biológica. Apesar de nos registros a partir da adoção não constar o nome da gestante, este fica arquivado, como destaca a advogada Ludmila Mendes.
“O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos. O acesso ao processo de adoção poderá ser também deferido ao adotado menor de 18 (dezoito) anos, a seu pedido, assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica”, aponta o Estatuto da Criança e do Adolescente.
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