Entrega voluntária: ‘Não quero ser mãe, não estou pronta’, diz gestante que decidiu abrir mão de bebê para adoção no DF

Veículo: Globo.com - BR
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Mulher, 20 anos, desempregada, grávida de 9 meses e decidida a entregar o bebê para adoção assim que ele nascer. O caso é acompanhado pela Vara da Infância e Juventude (VIJ) do Distrito Federal e está previsto em lei.

A entrega voluntária em adoção está no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas nem todas as mulheres que enfrentam gestações não planejadas sabem disso. No entanto, especialistas acreditam que uma maior visibilidade desse direito resultaria em uma redução nos números de abandono de crianças. “Não quero ser mãe, não estou pronta”, diz gestante, de 20 anos, que vai fazer a entrega voluntária. Segundo a Vara da Infância e da Juventude do DF, entre 2017 e março de 2021, 173 mulheres foram atendidas pelo programa. Destas, 57 (32%) confirmaram a entrega do bebê.

As gestantes que procuram o judiciário com a perspectiva de entregar os bebês para adoção, são acompanhadas por uma equipe que conta com serviço de assistência social, jurídica e psicológica (veja mais abaixo). No no ano passado, conforme a VIJ, 48 mulheres procuraram atendimento e 14 entregaram os filhos.

Mas a entrega voluntária para adoção só pode ser feita por meio do Poder Judiciário. Registrar o filho de outra pessoa como se fosse seu ou atribuir parto alheio como próprio é crime previsto no artigo 242 do Código Penal.

Já transferir uma criança ou adolescente a terceiros, sem autorização judicial, desrespeita o artigo 30 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Programa de entrega voluntária

Ano Procuraram atendimento confirmaram entrega
2017 37 14
2018 42 14
2019 46 15
2020 48 14

Fonte: Vara da Infância e da Juventude (VIJ-DF)

 

‘Espero o melhor, o que eu não vou conseguir dar pra ela’

Na condição de não ser identificada, e não informar a região do DF onde mora, uma jovem que está no final da gravidez, e faz parte do programa de entrega voluntária, conversou com o G1, por telefone. “A primeira coisa que veio à mente foi abortar. Fiquei com medo de julgamentos e ia ser mais fácil esconder, mas depois que descobri que tinha a opção de entregar pra adoção, mudei de ideia”, diz ela.

A decisão pela entrega legal foi tomada depois de uma conversa com a assistente social de um Posto de Saúde. No local, a jovem descobriu que poderia entregar a bebê – uma menina – pelas vias legais. Na Vara da Infância, ela passou a receber acompanhamento psicossocial. “Me senti à vontade. Foi tranquilo. Eles me acolheram super bem”, conta.

Sem dar muitos detalhes sobre a gestação, a jovem diz que entre os fatores que a levaram a decidir pela entrega voluntária foi a forma como a criança foi gerada. “Além disso, a falta de apoio da família e a questão financeira” pesaram, explica. A mulher diz que, apesar de não nutrir um laço afetivo com a bebê, “quer o bem da filha”. “Eu espero o melhor , o que eu não vou conseguir dar pra ela: amor, carinho e educação”, diz a gestante. “Já ouvi que não tenho coração e sei que vou enfrentar muitos julgamentos. Mas pretendo voltar a estudar e evitar que isso aconteça de novo”, conta a jovem.

Walter Gomes, supervisor da Seção de Colocação em Família Substituta da VIJ-DF, diz que além de proteger a mãe biológica, o programa trabalha pelo direito da criança. “O trabalho de acolhimento da gestante ou mãe que queira entregar o filho para adoção tem caráter preventivo”, explica. “O programa evita que a mulher seja cooptada por adoções ilegais e por pessoas que não têm escrúpulo ou condições emocionais de cuidar bem de um criança”, diz Walter Gomes.

151 casos de abandono

No primeiro dia do mês de março, mais um bebê foi encontrado dentro de um saco de lixo, no DF. Segundo a polícia, com aproximadamente seis meses de formação, ele foi localizado por um gari, em Ceilândia.

Duas semanas antes, no dia 15 de janeiro, moradores do Assentamento 26 de Setembro, no Distrito Federal também encontraram um feto, em um terreno baldio. De acordo com informações da Polícia Militar, ele aparentava estar no quinto mês de formação. Em dezembro de 2020, perto da Rodoviária de Taguatinga, mais um feto foi encontrado por catadores de lixo. Em julho do ano passado, um recém-nascido foi encontrado, sem vida, em uma estação de tratamento de esgoto, no Itapoã.

Essas são algumas das ocorrências registradas no Distrito Federal nos últimos sete meses. A Secretaria de Segurança Pública não tem um levantamento de quantos fetos foram encontrados na capital federal, mas as ocorrências de abandono de incapaz aumentaram 39% entre 2019 e 2020. Segundo a pasta, em 2020 foram registradas 151 ocorrências e em 2019 foram 108. Somente em janeiro de 2021, houve cinco registros da mesma natureza criminal – já que abandono é crime, assim como a entrega direta de uma criança, a chamada “adoção à brasileira”.

Segundo Walter Gomes, supervisor da Seção de Colocação em Família Substituta da VIJ-DF, o programa de entrega voluntária ajuda a prevenir abortos, abandono, esquemas ilegais de adoção e até mesmo o tráfico humano ou o infanticídio. “O programa é pra gestante ter um acolhimento que garanta a ela um espaço de escuta, onde terá plena condições em prol da entrega ou de assumir as funções maternais. Essa mulher precisa ser resguardada de qualquer pressão familiar”, diz Walter.

Para ele, vários são os motivos que levam uma mulher a decidir entregar um filho. “Tem mulheres com muitos filhos, ou aquelas vítimas de estupro, e aquelas que, por uma questão de foro íntimo, decidem conduzir a gestação até o final com vistas à adoção”, aponta. De acordo com Walter, o trabalho de acolhimento da gestante ou mãe que quer entregar o filho para adoção tem caráter preventivo. “O programa evita que a mulher seja cooptada por adoções ilegais e por pessoas que não têm escrúpulo ou condições emocionais de cuidar bem de um criança”, diz ele. O supervisor da VIJ ainda ressalta que qualquer família que queria se habilitar para a adoção tem que passar por vários filtros e avaliações. “O que para muitos pode ser uma burocracia, na verdade é um cuidado necessário para que essa criança possa reescrever a história num lar onde seja efetivamente cuidada e amada”, explica.

Já no caso das mulheres que entregam, o objetivo é resguardá-las para que não sejam recriminadas pela sociedade. “A gente procura resguardar essa mulher pra ela decidir e decidir sem culpa. E nesse processo, que ela possa elaborar o luto após a entrega”, diz ele. “Esse não é um trabalho que visa promover micropolítica de adoção. Se essa mulher decidir mesmo entregar, ela vai entregar de acordo com os direitos, dela e da criança”, diz o supervisor da Vara da Infância.

Direito à entrega

A mulher que decide entregar o filho à adoção tem acompanhamento psicossocial e também do sistema de Justiça. O hospital onde ela ganha o bebê recebe um documento com essa informação. Depois do parto, assim que tiver condições de saúde, a mulher passa por uma audiência para confirmar ou não o desejo de entregar o recém-nascido. A mulher tem assistência jurídica da Defensoria Pública em todo o processo. “Se a mulher não quiser mesmo ficar com a criança, o juiz pode dar uma sentença de extinção do poder familiar e, assim, a criança será liberada para ser cadastrada e apresentada para uma família habilitada pela Justiça”, explica a Vara da Infância.

O que fazer?

Apesar da suspensão das atividades presenciais no Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT), a Vara da Infância conta com alguns atendimentos presenciais urgentes, que estão sendo agendados. Entre eles, está o atendimento de gestantes e mães que desejam entregar bebês para fins de adoção.

Para isso, a mulher pode escolher alguma das formas de contato abaixo:

  • Mandar mensagem para o Whatsapp do serviço de adoção: (6199272-7849
  • Mandar e-mail para: sefam.vij@tjdft.jus.br
  • Ligar para a assessoria técnica da VIJ, (613103-3388 entre 12h e 19h, de segunda a sexta-feira

Ao fazer contato, a grávida ou mãe deve solicitar agendamento para atendimento psicossocial de urgência. “O serviço de adoção vai entrar em contato para atendimento presencial, observando as regras sanitárias de proteção contra a Covid-19, como distanciamento e uso de máscara e no dia e horário que ficar melhor para a mulher interessada”, explica a área técnica da Vara da Infância.

“Se a gestante ou mãe que tiver dificuldades de locomoção ou transporte, a VIJ disponibilizará a condução. E se preferir, uma equipe técnica pode ir até a casa da gestante fazer uma visita de urgência”, dizem os técnicos.