Especialistas avaliam que legislação de proteção de crianças e adolescentes é boa, mas precisa ser implementada

Veículo: Câmara Notícias - BR
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Especialistas avaliam legislação de proteção de crianças: Políticas públicas intersetoriais, orçamento para prevenção e educação sexual estão entre as sugestões apresentadas em audiência

Especialistas avaliam proteção de crianças
Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

A legislação de proteção a crianças e adolescentes é boa, mas precisa ser efetivamente implementada. Essa foi a avaliação de especialistas ouvidos em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (16) sobre leis da infância e o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à exploração de Crianças e Adolescentes, celebrado em 18 de maio. A data foi instituída em homenagem à menina Araceli, que foi raptada, estuprada, drogada e morta aos 8 anos de idade em 18 de maio de 1973, na cidade de Vitória (ES).

Crianças e adolescentes lotaram o plenário da comissão e assistiram ao debate. Presidente da comissão, a deputada Luizianne Lins (PT-CE) afirmou que o Brasil precisa adotar medidas urgentes de prevenção e resposta para a violência contra crianças e adolescentes – proteção já garantida pela Constituição e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – e ressaltou que essa é uma das prioridades do colegiado.

Ela citou levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com a Unicef mostrando que cerca de 35 mil crianças e adolescentes foram vítimas de mortes violentas intencionais entre 2016 e 2020.

“Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontam que o Brasil registrou quase 20 mil casos de maus-tratos contra crianças e adolescentes em 2021, um aumento de 21% em relação a 2020. Casos que deixam sequelas e marcas nas crianças, nos adolescentes e nos familiares pelo resto da vida”, lamentou Luizianne.

“Um desses casos é o do menino Henry Borel, de 4 anos, que morreu em março de 2021 por conta de agressões do padrasto”, relembrou a parlamentar.

Em 2022, a Câmara dos Deputados aprovou a Lei Henry Borel, que estabelece medidas protetivas específicas para crianças e adolescentes vítimas de violência  familiar e considera crime hediondo o assassinato de menores de 14 anos.

Implementar leis

A deputada Maria do Rosário (PT-RS), uma das que pediu a audiência, disse que é preciso implementar as leis já aprovadas pelo Congresso Nacional, como as alterações no Código Penal para reconhecer o estupro de vulnerável e incluir os crimes contra a dignidade sexual.

“Hoje a legislação brasileira é clara e firme contra toda a impunidade contra os crimes sexuais e foi o 18 de maio e este movimento social que conquistou a alteração do Código Penal Brasileiro”, avaliou Maria do Rosário.

Ela citou ainda a aprovação pelos parlamentares da Lei da Escuta Protegida, que define um protocolo e um fluxo de atendimento para evitar a revitimização, ou seja, que crianças ou adolescentes vítimas de violência tenham que repetir a história várias vezes.

Proteção na internet

Maria do Rosário também defendeu a aprovação do projeto de lei instituindo regras para as redes sociais (PL 2630/20, conhecido como PL das Fake News), para proteger direitos de crianças e adolescentes na internet.

Representante do Comitê Nacional de Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, Maria América Ungaretti concorda que, do ponto de vista legislativo, crianças e adolescentes estão protegidos, com exceção da internet.

“Quais são as questões pendentes para nós? A definição de políticas públicas de forma intersetorial. Esta é a grande dificuldade, nós nos articularmos”, disse. “Então nós precisamos que todo o sistema de garantia de direitos, constituído pelo eixo da promoção, pelo eixo da defesa, pelo eixo do controle, estejam articulados, trabalhem em conjunto. Este é o desafio, que esta rede funcione”, afirmou.

Segundo ela, a criança precisa de atenção na área da saúde, da educação, da assistência social, entre outras. Ela apontou ainda a falta de denúncias de exploração sexual de crianças e adolescentes no País, já que “os usuários desse comércio muitas vezes são pessoas importantes”.

Outras iniciativas do governo

Secretária nacional substituta dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, Maria Luiza Oliveira reafirmou o compromisso do governo com a proteção da vida de crianças e adolescentes, que já instituiu Comissão Intersetorial de Enfrentamento à Violência contra Crianças e promove a campanha Faça Bonito, de mobilização nacional para o enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes.

Criadora do projeto Menina-Cidadã, implementado em Taquara (RS), a professora e vereadora Mônica Fácio deu exemplo de iniciativa local contra o problema. Ela explicou que o programa reúne meninas para discutir prevenção da violência e promover o protagonismo delas e a sororidade entre elas. Na avaliação dela, o programa tem baixo custo financeiro e alta eficácia, ajudando na prevenção da gravidez precoce e da evasão escolar e na promoção da saúde mental das adolescentes.

Garantias do ECA

O deputado Luiz Couto (PT-PB), que também pediu a audiência, destacou que, de acordo com o ECA, é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, entre outros. O problema, porém, segundo ele, é que o ECA não é cumprido.

“Por exemplo, muitas das crianças que hoje são exploradas sexualmente, abusadas, é porque não têm espaço de alimentação. A fome é também a grande exploradora que permite que as pessoas usem desse expediente”, disse Couto.

Já a deputada Reginete Bispo (PT-RS) lembrou que as principais vítimas são meninas negras e salientou a importância de se debater violência sexual e gênero nas escolas. “A escola muitas vezes é o suporte para as próprias famílias para enfrentar essa violência”, observou.

“O papel da sociedade é maior do que punir os culpados, além da responsabilização, é prevenir e proteger”, afirmou a adolescente Maria Alejandra Ramires Dias, do comitê de participação de adolescentes do Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes (Conanda). Ela ressaltou que em 2020 o Disque 100 recebeu mais de 14,6 milhões denúncias de casos de abuso sexual, físico, estupro e exploração sexual contra crianças e adolescentes.

Orçamento

Secretário-executivo da Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes, Lucas Lopes informou que o Brasil ocupa a 25ª posição global no  quesito prevenção no Índice Fora das Sombras, ranking de 60 países sobre o enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes.

Na avaliação dele, a legislação brasileira está muito centrada na resposta à violência em vez da prevenção, sendo que a responsabilização apenas não reduz a violência.

Hoje, segundo ele, não há uma estratégia nacional de prevenção. Ele defendeu que a nova Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLN 4/23) e o Plano Plurianual (PPA) de 2024 a 2027 considerem a prevenção como transversal nas políticas públicas. Além disso, ele considera fundamental a reedição do Plano Decenal de Direitos Humanos das Crianças e Adolescentes, e a avaliação do último plano.

Polícia Rodoviária e escolas

Coordenadora-Geral de Direitos Humanos da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Liamara Pires informou que a polícia implementa, com sucesso, o projeto Mapear, de policiamento preventivo nas rodovias federais, para que não sejam locais de exploração sexual de crianças e adolescentes.

Conforme ela, o projeto ajuda a conscientizar motoristas de caminhão e donos de restaurantes, bares e postos de gasolina nas estradas, por exemplo, que hoje, afirmou Liamara, efetivamente rechaçam a presença de crianças e adolescentes nesses locais.

Coordenadora Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância), a procuradora do Trabalho Ana Maria Ramos defende o direito de a criança saber que não pode ser tocada e que a educação sexual esteja na escola. Para ela, é preciso vencer este tabu na sociedade brasileira, que se acentuou nos últimos anos, durante o governo passado.

Ela disse que poucas pessoas, inclusive atores do sistema de Justiça, sabem que a exploração sexual é uma das piores formas de trabalho infantil, e é preciso promover capacitação desses atores nesse sentido. Segundo ela, muitas vezes a adolescente explorada sexualmente é vista como prostituta até mesmo por delegados, juízes, promotores, e o problema não é tratado adequadamente.

Secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, Katerina Volcov também frisou a importância de se trabalhar nas escolas a educação em direitos humanos, para a formação de um sujeito de direitos. Além disso, considera importante a coleta de dados sobre trabalho infantil.

A professora e pesquisadora Deysiane Pontes, do Violes – Grupo de Pesquisa sobre Tráfico de Pessoas, Violência e Exploração Sexual de Mulheres, Crianças e Adolescentes, defendeu mais pesquisas sobre a violência contra a instituição escola; a violência institucional, cometida pelas escolas; e a violência que ocorre dentro da escola.

Nesta terça-feira (16), será lançada na Câmara dos Deputados a Frente Parlamentar Contra o Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, coordenada pela deputada Amanda Gentil (PP-MA).

 

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