Especialistas criticam falta de transparência e retrocesso na revisão do Programa Nacional de Direitos Humanos

Veículo: O Globo - RJ
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Conhecido por nortear políticas do Congresso, o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) passa por uma revisão que, segundo entidades, juristas e ex-ministros, ocorre a portas fechadas e pode sacrificar conquistas obtidas desde sua criação, em 1996.

Por determinação de uma portaria assinada em fevereiro pela ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, servidores da pasta não devem divulgar detalhes sobre as discussões antes da conclusão dos trabalhos, prevista para dezembro.

O grupo de trabalho responsável pela revisão do PNDH é coordenado por Eduardo Miranda Freire de Melo, militar oficial da Marinha ligado a movimentos religiosos e discípulo do filósofo Olavo de Carvalho.

Levantamento da Agência Pública mostra ainda que, entre os escolhidos por Damares, estão ativistas contrários ao aborto mesmo em casos de estupro, religiosos que associam o combate à homofobia com perseguição religiosa e servidores sem experiência na área de direitos humanos, como o policial rodoviário federal Wendel Benevides Matos, que integra a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos e foi apontado como um dos integrantes da comitiva enviada pela ministra para impedir o aborto de uma criança de 10 anos no Espírito Santo, em setembro.

Damares restringiu a participação de organizações da sociedade civil e tirou seu direito a voto – apenas servidores indicados pela ministra terão esta prerrogativa.

As ordens ministeriais foram recebidas com fortes críticas de especialistas, preocupados com as alterações nas diretrizes nacionais para os direitos humanos. Mais de 600 organizações da sociedade civil assinaram um manifesto defendendo mudanças na condução dos trabalhos do governo.

O PNDH foi criado por recomendação da ONU na Conferência de Viena de 1993. Até agora, segundo especialistas, suas revisões foram marcadas pela participação pública da sociedade – vista, por exemplo, em consultas públicas, conferências abertas e representação de setores que vão de ONGs a polícias militares.

Esta é a terceira revisão do PNDH – as anteriores ocorreram nos governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Lula (PT). Ministro da Secretaria de Direitos Humanos da gestão do presidente tucano e responsável por implementar a primeira edição do Plano, Paulo Sérgio Pinheiro afirmou que seus princípios básicos foram mantidos mesmo diante das diferentes visões políticas que chegaram ao Palácio do Planalto.

— Princípios básicos que regem os direitos humanos, como a transparência e participação pública, foram respeitados desde a redemocratização, mesmo em governos muito diferentes entre si – ressalta Pinheiro, que atua hoje na ONU, em Genebra (Suíça). – É uma das poucas políticas de Estado que apresentava continuidade. Mas essa ruptura é coerente com um movimento de extrema-direita que tem total desapreço pelas organizações da sociedade civil e quer pavimentar caminho para uma situação autoritária.

Uma das principais conquistas do programa foi a criação da Comissão da Verdade, aprovada por unanimidade pelo Senado em 2011 e que apurou crimes políticos da ditadura.

A advogada Maria Laura Canineu, diretora da ONG Human Rights Watch, ressalta que o governo também está excluindo da decisão membros do Judiciário, que participaram ativamente das formulações anteriores do PNDH.

— O ministério respondeu às nossas reivindicações alegando que os trabalhos não são secretos. Mas insistimos que qualquer revisão de políticas que impactem comunidades marginalizadas, como os quilombolas e indígenas, precisa contar com a participação destas — defende Canineu.

Em nota, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos afirmou que o processo de revisão do PNDH será  “extremamente técnico” e que a avaliação das políticas de direitos humanos do país não versará sobre o PNDH, sua principal plataforma. A pasta disse ainda que as alegações de falta de transparência causam “perplexidade”, já que os nomes dos participantes foram publicados no Diário Oficial.

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