IBGE mostra que aumento do trabalho infantil pode estar ligado à falta de fiscalização

Veículo: Jornal da USP - SP
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Segundo Guilherme Guimarães Feliciano, entre 2020 e 2021, houve o menor número de auditores fiscais do trabalho em atividade desde 2009. A pandemia também contribuiu para uma maior reabsorção do trabalho infantil

trabalho infantil
Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado

O trabalho infantil aumenta à medida que a idade avança. Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a incidência é 1,7% entre crianças de 5 a 13 anos, 7,3% entre as de 14 e 15 anos e, dos 16 aos 17 anos, a proporção mais do que dobra, chegando a 16,3%. Os números, que estavam em queda, em 2022 apontaram 1,9 milhão de menores em situação de trabalho infantil.

Guilherme Guimarães Feliciano, professor associado do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP, explica que, “entre 2020 e 2021, houve o menor número de auditores fiscais do trabalho em atividade desde 2009. Em dezembro de 2020, eram 2.051  e são eles que efetivamente fazem o combate e a fiscalização das empresas, dos estabelecimentos de agronegócio, postos de serviço em relação ao trabalho infantil. O governo abriu um novo edital para contratação de auditores fiscais após dez anos sem concurso. Com o preenchimento dessas novas vagas, haverá um impacto positivo nesses números para os próximos anos, mas o que nós estamos vendo neste momento, especialmente nos números de 2022, são 1,9 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos em trabalho infantil contra 1,8 milhão em 2019.”

Isso se explica por conta das dificuldades de fiscalização. A pandemia contribuiu para o aumento do trabalho de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos, uma vez que elas se afastaram das escolas até pela dificuldade, muitas vezes, de ter acesso ao ensino digital, ao ensino a distância, enfim, aos meios telemáticos. Com o afastamento das escolas, esses menores eram reabsorvidos pelo trabalho infantil, especialmente entre famílias de menor renda média. A falta de investimento na estrutura do Ministério do Trabalho e Emprego em termos materiais e de pessoal agora começa a se corrigir.

A legislação brasileira protege crianças e adolescentes, inclusive com a alteração da Constituição em 1998, pela emenda 20 para atender à convenção da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que trata do trabalho infantil, elevando a idade mínima de 14 para 16 anos. “No Brasil não pode haver trabalho ordinário, produtivo, para menores de 16 anos. Entre 14 e 16 apenas como aprendiz, que é um contrato de trabalho voltado para a profissionalização, não para a produção, não para o lucro. Já para o adolescente, ou seja, até 18 anos incompletos, a legislação não permite trabalhos insalubres, penosos, perigosos, prejudiciais à formação. Há claramente um sistema de proteção da criança e do adolescente que se reconhece a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente da própria Constituição da República e também da consolidação das leis do trabalho, diplomas que devem ser aplicados de modo a dialogarem entre si para esta proteção.”

Justiça trabalhista

O Brasil conta com mais de 4 mil juízes do trabalho que decidem as questões relacionadas ao trabalho infantil, mas são necessários fiscais para auxiliar nessa função. São necessários fiscais que estejam à altura desse número, não faz sentido ter menos fiscais na ponta, onde se identifica o problema no ambiente do serviço público, e um número superior de juízes depois.

No Brasil, o trabalho infantil não é considerado crime, diferentemente do que ocorre em outros países; nesse caso, a tutela penal pode ajudar em situações mais graves e também a especialização, que traz uma série de vantagem. São juízes que estão mais habilitados para esse tipo de análise e para que esses casos sejam julgados em um tempo menor. Diversas crianças atuam na área artística, como atores, cantores, mas, segundo o professor Feliciano, existe uma tese de que a Justiça do Trabalho não estaria preparada para lidar com essa questão.

“Revisar uma tese que o Supremo Tribunal Federal fixou há alguns anos, de relatoria do então ministro Marco Aurélio Mello, de que a Justiça do Trabalho não teria competência para os casos de trabalho infantil artístico, que é uma das poucas hipóteses em que se admite o trabalho infantil para atores, atrizes, cantores, cantoras mirins e, por alguma razão, os casos de trabalho infantil artísticos são apreciados pela Justiça Comum, como entende o STF. Todos os outros casos pela Justiça do Trabalho. É preciso que haja um pensamento único a respeito, sempre na perspectiva da proteção da criança e do adolescente, não do interesse do empresário do ramo de espetáculos. Por essa razão, seria importante que essa tese do Supremo Tribunal Federal fosse revertida pelo próprio Supremo, para que toda essa competência se concentrasse na Justiça do Trabalho”,  destaca o professor Feliciano.

 

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