Início precoce: trabalho infantil pode gerar danos psicológicos e sociais

Veículo: O Tempo - MG
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Início precoce: Falta de sonhos e de perspectivas são, de acordo com especialistas, algumas das consequências

Início precoce
Foto: João Godinho/O TEMPO

Não desenvolvimento de habilidades. Falta de sonhos e de perspectivas. Danos físicos e psicológicos. Essas são, de acordo com especialistas, algumas das consequências do trabalho durante a infância e a adolescência. Pessoas que, desde cedo, começam a ter esse tipo de responsabilidade, conforme o psicólogo Thales Coutinho, perdem experiências peculiares dessa época da vida que passa rápido e não volta mais.

“A criança que trabalha não consegue se dedicar muito a outras atividades, como o estudo e o lazer. A sociedade tem uma visão muito simplista sobre o lazer no dia a dia, como se fosse apenas para produção de prazer. Porém, não é só isso. As brincadeiras treinam os seres humanos para uma série de habilidades e competências socioemocionais. As crianças aprendem, por exemplo, a cooperação, a lidar com regras, além de desenvolver a criatividade”, diz o especialista.

Conforme Coutinho, uma rotina pesada para os pequenos pode resultar em falta de amadurecimento e de treino dessas habilidades. Além disso, a ausência de tempo para se dedicar aos estudos pode ter uma série de consequências quando a criança se tornar um adulto. “Geralmente, os que precisam trabalhar na infância se tornam pessoas socioeconomicamente desfavorecidas”, ressalta ele.

Ione Silva, hoje com 45 anos, afirma que este é justamente o caso dela. A mulher conta que começou a trabalhar aos 9 anos, por causa de problemas financeiros na família. Ainda tão nova, fazia serviços domésticos na casa de outras pessoas. Hoje, ela lamenta esse passado. “Por ter trabalhado quando criança, não deu para eu estudar direito. Acaba que a gente não fica sendo uma pessoa bem-sucedida, porque trabalha em coisas que não exigem muito estudo”, explica Ione Silva.

Além disso, ela sente que perdeu a infância por ter assumido tantas responsabilidades tão cedo. “No período que era para brincar, a gente está trabalhando”, lamenta ela.

Coordenadora do Fórum de Erradicação e Combate ao Trabalho Infantil, Elvira Cosendey considera que a criança que trabalha, geralmente, perpetua o ciclo da pobreza. “A criança que trabalha geralmente não consegue estudar, a baixa escolaridade leva à baixa profissionalização e o ciclo continua. Há consequências que elas podem levar para o resto da vida”, analisa.

Marcas para a vida toda

“Carrego no meu sangue toda a exploração do trabalho infantil”. Carlos Calazans tinha 9 anos quando junto com a irmã começou a trabalhar como faxineiro em uma escola de Belo Horizonte. As crianças tiveram de perder a infância para ajudar no sustento da casa após a morte do pai. “Lavávamos toda a escadaria, as salas de aula e a diretoria”, relembra.

Já no início da adolescência, Calazans passou a trabalhar em uma fábrica de velas no bairro Calafate. “Atuava no setor de produção e ficava todo queimado. Chegava em casa com meu braço queimado, pois a cera derretia”. As dores fizeram com que Calazans não aguentasse mais seguir no trabalho. “Lembro que um dia cheguei em casa e falei: mamãe, eu não aguento mais, pois machuca muito”.

Após o pedido, Calazans saiu do emprego, mas precisou voltar ao mercado de trabalho mais uma vez. “Passei a atuar em uma marcenaria na fabricação de móveis. Isso com 13 anos. A poeira era tanta que ficava com o olho vermelho e coçando”, disse. De tanto coçar os olhos, ele teve o diagnóstico de ceratocone, e isso o impediu de até mesmo dirigir.

Atualmente, Calazans é superintendente do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e também atua no combate ao trabalho infantil. “Eu fico lembrando daquele menino e me dá tristeza. Uma vez reclamei do trabalho na marcenaria e levei um tapa no rosto. Eu só me queixei pois não aguentava o peso da madeira. Já se passaram quase 50 anos, mas ainda tenho isso muito vivo na memória. É uma dor”, finaliza.

 

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