Internos da Fundação Casa apostam em cursos técnicos para recomeçar
Pedro* tem 19 anos e antes de ser detido por assalto não se preocupava com nada. Gostava de andar com más companhias e 'praticar coisas erradas'. Um ano após cumprir medida socioeducativa na Fundação Casa de São Carlos (SP) o pensamento mudou e a vontade de estudar ganhou força. Nos próximos dias ele começa um curso de torneiro mecânico e vê no aprendizado a oportunidade para um recomeço.
O jovem, que está prestes a ganhar a liberdade, vai estudar no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). O incentivo veio da equipe pedagógica da Fundação.
"Eu não estudava, cursei até a 8ª série. Mas quando vim para cá peguei gosto, o pessoal incentiva a todo instante. Aqui me arrependi de tudo o que fiz, pensei na minha família, no sofrimento, mas agora é esquecer e vida nova", disse o rapaz que mora em São Carlos com a mãe e três irmãos.
Vida nas ruas
Carlos também quer mudar de vida. Detido por assalto, o jovem de 18 anos está há seis meses na unidade, tempo suficiente, segundo ele, para mudar seu comportamento e jeito de pensar.
Enquanto estava livre, estudou até o primeiro ano do colegial. "Não era interessado, só vivia na rua", disse. Na Fundação, pegou gosto por aprender, fez oficinas e agora fará o curso de eletricista instalador no Senai. A inspiração veio do tio que é pedreiro e também faz instalações elétricas.
"A equipe aqui dentro fala que é importante para o meu futuro. Fiquei feliz quando soube que tinha conseguido a vaga. Minha mãe também falou para eu não desistir. Vou me esforçar e me dedicar. Para tudo que for fazer tem que ter vontade e dedicação", contou.
Ler e viajar
Foram três passagens pela Fundação e somente na última delas Thiago descobriu uma paixão que sempre esteve acessível, mas até então ele desconhecia: o prazer pela leitura. Nos últimos oito meses de internação devido ao envolvimento com o tráfico de drogas disse ter lido ao menos 14 livros.
Morador em Leme (SP), o adolescente contou que nunca largou a escola, mas também não levava os estudos a sério. Dentro da unidade, recebeu incentivo e passou a frequentar a biblioteca ainda em formação. Leu o primeiro livro, depois o segundo, o terceiro e não parou mais. Entre os temas preferidos estão terror e romance. Agora, diz que vai bem até na prova de português.
"Eu me arrependo do que fiz, mas por outro lado foi bom. Se eu não tivesse vindo para cá, talvez nunca tivesse pego em um livro. Ler me fazia viajar, não sentia que estava privado, me fazia esquecer isso", contou o jovem que agora em liberdade pretende manter o hábito e daqui alguns anos ingressar na faculdade. Um dos objetivos é estudar engenharia, já que disse gostar de matemática e cálculos.
Contramão da punição
A Fundação Casa de São Carlos abriga atualmente 62 internos. Os jovens têm as aulas do ensino formal, artes plásticas, cursos oferecidos pelo Serviço de Aprendizagem Comercial (Senac), atividades pedagógicas complementares, esportivas e lazer, como visitas externas a museus, bibliotecas, entre outros lugares.
"O nosso trabalho vai na contramão da punição. O objetivo é estimular os meninos na ressocialização, mostrar que existem outros caminhos. Quando a gente tem resultados de jovens que buscam pela qualificação, é muito gratificante porque é isso o que move a nossa equipe. A nossa parte é oportunizar", disse a coordenadora pedagógica, Valéria Bulhões.
Para o diretor da unidade, Ramon Yuuzi, o foco da gestão é trabalhar para fazer com que os adolescentes tenham outras perpesctivas. "Tudo o que conseguimos buscar de parceria a gente tenta para que possam participar, conhecer e vivenciar outras histórias. Os servidores abraçaram a causa e trabalham com maior entusiasmo. É um ganho para todo mundo e no final para a sociedade", disse.
*Os nomes dos internos foram modificados para preservar a identidade dos entrevistados.