Juíza nomeia defensor público para representar feto em caso de criança estuprada no Piauí
A juíza Maria Luiza de Moura Mello e Freitas, da 1ª Vara de Infância e Juventude de Teresina, nomeou uma defensora pública para representar os interesses do feto de uma criança de 12 anos grávida pela segunda vez após anos de estupro. A informação é do site Catarinas, em parceria com The Intercept Brasil.
Após a decisão, a magistrada proibiu a publicação de notícias sobre o caso no estado, a pedido da Defensoria.
A nomeação de um representante para “nascituros” não está prevista na legislação brasileira. A função aparece apenas em um projeto de lei conhecido como “Estatuto do Nascituro”, proposto por deputados conservadores e protocolado na Câmara ainda em 2007, mas que não foi analisado pela Casa.
Se fosse aprovado, o PL 478/2007 tornaria o aborto, ainda que decorrente de violação sexual, ilegal. O projeto é considerado inconstitucional por especialistas, já que a Constituição e o Código de Processo Civil apenas consideram como pessoas de direito aquelas nascidas vivas.
A votação do estatuto foi adiada no fim do ano passado em razão da apresentação do PL 2960/2022, de autoria das deputadas Luiza Erundina (PSOL), Erika Kokay (PT), Áurea Carolina (PSOL), Fernanda Melchionna (PSOL), Sâmia Bomfim (PSOL), Talíria Petrone (PSOL) e Vivi Reis (PSOL).
O novo projeto, apensado do estatuto, dispõe sobre a proteção e os direitos da gestante, “com ações integradas de saúde e assistência que garantam o amparo e a integridade de sua autonomia e do desenvolvimento saudável do seu bebê”, bem como atendimento humanizado em casos de aborto espontâneo e em procedimento de interrupção de gestações juridicamente autorizados.
Atualmente, o aborto é permitido no Brasil em casos de gestação decorrente de estupro, anencefalia do feto ou risco à vida da gestante.
O procedimento de aborto na criança de 12 anos foi autorizado em outubro pela juíza Elfrida Costa Belleza, da 2ª Vara da Infância e da Juventude de Teresina. No entanto, a decisão foi suspensa em dezembro pelo Tribunal de Justiça do estado a pedido da mãe da menina e da defensora do feto, mesmo se tratando de gravidez decorrente de violação e apresentando risco à vida da criança.
Na justificativa, o desembargador José James Gomes Pereira apontou que a retirada do feto poderia representar riscos ainda maiores à vida da paciente. Para ele, o feto já atingiu desenvolvimento suficiente para sobrevida extrauterina.
“Uma intervenção médica, a esta altura, corresponderia a um verdadeiro parto, não havendo como se autorizar a realização do aborto”, diz um trecho da decisão. O magistrado ainda cita um relatório psicológico a argumentar que a menina consentiu em manter a gravidez.
Pessoas ligadas ao caso, porém, contestam a alegação e apontam que a menina está abalada psicologicamente.
No ano passado, a criança foi levada ao hospital, onde deixou claro que desejava realizar o aborto, mas foi liberada sem fazer o procedimento. Em conversa com o Catarinas e o Intercept, a mãe da menina afirmou ter desistido de autorizar o aborto por causa da declaração de uma médica da Maternidade Dona Evangelina Rosa.
“A médica do serviço falou para nós que se ela abortasse essa criança, poderia morrer no procedimento”, disse a mãe, que está convencida a entregar o bebê à adoção após o nascimento. “A gente optou por continuar com a gravidez para não acontecer o pior com ela.”
Já o pai da criança afirma ter sido dissuadido da decisão de interromper a gravidez da filha pela profissional que a atendeu no hospital.
“A médica me induziu, dizendo que a menina [já] tinha um filho, que se ela aguentou, poderia ter outro”, comentou. “Depois que falaram com ela, ela disse: ‘Não, papai, eu vou ter o bebê’. No início, ela disse que não queria a gravidez, que queria estudar. Aí passou dois meses, três meses, cinco meses. Tem muita gente envolvida para que ela continue com a gravidez.”
A menina está sendo mantida em um abrigo na capital piauiense há 4 meses. Segundo relatos de uma conselheira tutelar, a criança já teria atentado contra a própria vida.
“Percebi que a menina estava sendo dopada e questionei por que ela estava tomando medicação. As funcionárias responderam que ela havia tentado se matar. Eu perguntei à menina, e ela disse que não sabia por que estava tomando a medicação”, relatou aos sites a conselheira tutelar Renata Bezerra.
Sobre o caso, o Ministério Público do Piauí informou que a “eventual coação dos médicos” está sendo analisada pela Promotoria da Saúde e “estão sendo adotadas as providências cabíveis para assegurar à adolescente a garantia da manifestação de sua vontade, bem como todas as outras medidas de proteção previstas no ECA”.
Na última sexta-feira 20, dois suspeitos de estuprarem a criança tiveram a prisão preventiva decretada pela Justiça. Um deles é um tio da menina, apontado por exames de DNA como o responsável pela primeira gravidez. O outro é um vizinho da avó paterna da menina.