Lei de Aprendizagem previne trabalho infantil e ressocializa jovens infratores

Veículo: Veículo não definido - BR
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Desde o início da década de 1990, diversos órgãos atuam para combater a exploração da mão de obra infanto-juvenil. Se antes as denúncias que órgãos como Ministério Público do Trabalho (MPT), Conselhos Tutelares e Superintendência Regional do Trabalho (SRTE) recebiam eram de empresas que exploravam a mão de obra de crianças e adolescentes de forma sistêmica, hoje esses mesmos órgãos se veem com o desafio de combater o trabalho infantil informal, muitas vezes impostos pelos familiares, diante do quadro de crise econômica que o Brasil atravessa. Uma pesquisa divulgada no início deste mês de abril aponta que a exploração do trabalho infantil cresceu 4,5% em 2014, comparada a 2013. Esses são os dados mais recentes sobre trabalho infantil no país. A estimativa é que 3,3 milhões de crianças e adolescentes, dos 5 aos 17 anos, trabalham no país. A cada ano, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) lança uma campanha para combater o trabalho infanto-juvenil, e o foco da campanha em 2016 é o fortalecimento da Lei da Aprendizagem, vista como uma das medidas mais eficazes para evitar que meninos e meninas trabalhem de forma irregular e coloquem em risco seu desenvolvimento e seu futuro.

A coordenadora para a Eliminação do Trabalho Infantil da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Maria Cláudia Falcão, ao Bahia Notícias, explicou o foco da campanha deste ano. Falcão afirma que o fortalecimento da Lei de Aprendizagem é uma das principais estratégias que se tem no país para eliminar o trabalho infantil. “Isso se dá muito em função do cenário que temos hoje do trabalho infantil no Brasil, em que mais de 80% das crianças e adolescentes que se encontram em situação de trabalho infantil estão acima de 14 anos. Acho que a aprendizagem, como pode ser implementada a partir dos 14 anos, pode ser uma alternativa para esses adolescentes que querem trabalhar. Acho que a partir do momento que você tem na Constituição Federal que se pode trabalhar a partir dos 16 anos, em determinadas formas, e a partir dos 14 anos na condição de aprendiz, esse adolescente tem o direito a escolher se quer trabalhar. Se ele quiser, que seja de uma forma protegida”, explica.      
             
A Lei 1097/00, mais conhecida como Lei da Aprendizagem, estabelece formas de proteger o adolescente que tem mais de 14 anos no mundo do trabalho, envolvendo o empregador, o adolescente e a instituição qualificadora. “Isso faz com que o adolescente tenha a oportunidade de ter uma experiência profissional, uma oportunidade de qualificação, e o mais importante: A obrigatoriedade de estar na escola. Porque o que observamos muitas vezes é que os adolescentes contratados em uma situação formal (com todos os seus direitos, mas não em aprendizagem), acabam deixando a escola por ser difícil de conciliar com o trabalho. A aprendizagem tem uma carga horária reduzida, tem todo um esquema diferente para tentar garantir que esse adolescente permaneça também na escola. Acho que isso é superimportante. A aprendizagem é uma entrada no mercado de trabalho, mas esse adolescente precisa também permanecer na escola para que ele possa se qualificar e adquirir conhecimento para poder ter a oportunidade de trabalho decente na vida futura”, esclarece a representante da OIT.

As empresas que não cumprem a Lei da Aprendizagem podem ser multadas. De acordo com a coordenadora de Combate ao Trabalho Infantil do MPT na Bahia, procuradora do Trabalho Virginia Senna, as empresas com um determinado número de empregados precisam destinar entre 5% e 15% das vagas para jovens aprendizes. Cabe a SRTE fiscalizar se as empresas cumprem ou não a lei, e ao MPT propor ações extrajudiciais ou judiciais contra os estabelecimentos que não observam a norma. Segundo a procuradora do Trabalho, a lei da um “norte de especialização”. “Dos 14 anos aos 16 anos, os adolescentes não podem trabalhar, salvo na condição de aprendizes. Eles se submetem a uma formação profissional metódica. Ele aprende um ofício e vai ser remunerado, com todos os direitos trabalhistas assegurados, como carteira assinada e férias. Ele também precisa cursar a escola normal, em um turno, e no outro está no aprendizado, na empresa, com orientação e formação de uma entidade vinculada ao Sistema S [Senac, Senai, Seis, Senat, Sest e Sesc, entre outras]”, esclarece. Quando a empresa não cumpre a Lei da Aprendizagem, ela pode ser alvo de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), aplicado pelo MPT.

E foi justamente através de um TAC que a Fundação da Criança e Adolescente na Bahia (Fundac) pôde criar o projeto “Aprendizagem na Medida”, que atende aos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas nas Comunidades de Atendimento Socioeducativas (Cases). A coordenadora de Aprendizado da Fundac, Yolanda Franco, afirma que a parceria surgiu através da auditora fiscal do Trabalho Marli Pereira, uma das mentoras do programa. O projeto permite que os adolescentes que cumprem medidas recebam uma formação profissional, e que, logo que obtenham liberdade, possam ter um ofício e profissão – tornando-se maiores as chances de ressocialização. Segundo Yolanda, a formação, realizada pelo Senai, envolve teoria e a prática simulada dentro das unidades da Fundac. “Atualmente nós temos duas empresas contratantes, que são a Paraguaçu engenharia e a Service Engenharia. São os parceiros nossos. O Ministério do Trabalho e Emprego autua essas empresas e a auditora fiscal Marli pede aos empregadores que cumpram essas cotas com esses jovens que estão cumprindo medidas socioeducativas”, conta.

O projeto funciona desde 2013, quando o MPT aplicou TAC em três empresas do ramo de engenharia e coleta de lixo de Salvador. Desde então, dez turmas já foram formadas nas unidades de acolhimento, com formação aproximada de 60 jovens. Yolanda estima que, 180 custodiados foram matriculados nos cursos, mas à medida que ganhavam liberdade, deixavam o programa, e foram inscritos no curso de meio aberto do programa de aprendizagem. “Atualmente, nós estamos com duas turmas nessa edição. De lá pra cá, nós já capacitamos uma série de sessenta jovens nas áreas de construção civil, área administrativa e área de panificação. Atualmente estamos com duas turmas de construção civil, com um total de 27 jovens e previsão de termino para 2016”, pontua.

Yolanda Franco diz que o maior desafio do projeto dentro das Cases é a baixa escolaridade dos adolescentes. “Esses jovens, quando chegam pra gente, normalmente já estão evadidos da escola. São jovens de baixa escolarização. Esse é o desafio. Então, o Senai bota dentro do programa, com acompanhamento escolar junto à escola formal que esse jovem já tem dentro da unidade – há escola municipal, escola estadual, dentro da unidade. Eles têm nessa grade curricular português, matemática, uma complementação desse conhecimento. Eles têm também noções de cidadania, segurança do trabalho, educação para o trabalho e educação ambiental. São temas que o Senai inclui nessa formação, porque para nós, tão importante quanto a formação técnico-profissional, é também formarmos cidadãos preparados para formar a sociedade, viver em convívio sócia”, destaca.

Outro desafio já estudado pela Fundac é a inserção do jovem egresso das Cases no mercado de trabalho. “A partir do momento que o jovem recebe essa liberação nós buscamos a possibilidade de fazer essa inserção no mundo do trabalho. Esse eu posso te garantir que é o nosso maior desafio, porque não é só qualificar, mas sim fechar um ciclo. Mas para isso também estamos nessa nossa busca de sensibilização de novos parceiros e da sociedade. O jovem que está com a gente ainda é estigmatizado. Faltou para eles uma rede de proteção da família, da escola e da própria sociedade. Então, esse é o desafio, a partir do momento no qual ele é qualificado. Tanto os jovens daqui, quanto os jovens do interior”, indica.  A Fundac atende a aproximadamente 600 jovens e quer ampliar o número de empresas parceiras para realizar a formação. Entretanto, Yolanda Franco pontua que é um desafio coletivo do Fórum de Erradicação e Prevenção do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador (Fetipa) para sensibilizar mais empresas. “Às vezes, o empresário entra com uma visão, e compreende a admissão do tratamento socioeducativo na Bahia, e passa a ser um parceiro efetivo no sentido de enfrentar um desafio que não é só da Fundac”, frisa.

A representante da OIT no Brasil diz que ainda há outro desafio para que a Lei da Aprendizagem seja cumprido pelas empresas, tanto no meio aberto, quanto para o meio fechado, de jovens que cumprem medidas socioeducativas. “Acontece é que, às vezes, essas empresas estão nos grandes centros urbanos. É difícil você ter empresas em municípios de pequeno porte. O Brasil na grande maioria dos seus municípios é de pequeno porte. Então, como fazer para que esses meninos e meninas que estejam nesses municípios pequenos da zona rural tenham acesso à aprendizagem? Nos grandes centros urbanos também nunca houve um estímulo muito forte para a participação desses meninos e dessas meninas, para que as empresas priorizassem a sua contratação. Eu acho que agora, de alguns anos para cá, vem se tendo essa preocupação, e vendo sim a aprendizagem como uma alternativa a eliminação de trabalho infantil”, afirma. Ainda segundo Maria Claudia, apesar das dificuldades, “não há razão para que não sejam implementadas, porque esse adolescente, essa adolescente, que está na zona rural, ou no município pequeno município, tem o mesmo direito a aprendizagem que os meninos e meninas que estão nos grandes centros urbanos”.