Mais da metade das escolas do país têm piora na nota no Enem

Veículo: Folha de S. Paulo - SP
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Um retrato da desigualdade de acesso à educação aparece no desempenho das escolas no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) de 2015. Dos colégios públicos, 91% ficaram abaixo da média nacional; entre os privados, 17%.

O quadro ainda reflete a crise do ensino médio vista no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), divulgado no mês passado.

Em quase 6 de cada 10 escolas públicas (59%) houve queda na nota do Enem em relação a 2014. Na rede privada, as médias caíram em 53%. O cálculo leva em conta os colégios com médias divulgadas nas duas edições do exame.

Os dados do Enem por escola devem ser analisados com cautela para avaliar a qualidade das redes, segundo especialistas. "O que o Enem faz é retratar a desigualdade do Brasil na oferta educacional", pondera o professor da USP Ocimar Alavarse.

Entre as escolas com notas altas, destacam-se as particulares pequenas, que têm maioria de alunos "importados" (que migraram de colégio, sem estudar no mesmo local nos três anos do ensino médio). Já as melhores públicas são federais ou colégios técnicos, que selecionam alunos.

O perfil dos estudantes é algo em comum entre elas. Das 200 escolas com notas maiores, 180 têm níveis socioeconômicos alto e muito alto –os dois maiores intervalos entre os sete níveis de classificação do Ministério da Educação.

O resultado corrobora as evidências de que a condição socioeconômica é um fator de peso no sucesso educacional.

Escolas particulares que atendem alunos mais ricos têm, por exemplo, uma média em matemática 47% maior do que unidades também privadas, mas que atendem alunos mais pobres. É mais que o dobro da diferença nessa disciplina entre as redes públicas e particulares.

As médias do Enem foram divulgadas nesta terça (4). Para calcular a média geral das escolas, a Folha considerou as notas das quatro provas objetivas do exame: linguagens, matemática, ciências humanas e ciências da natureza.

Levando em conta todas as escolas do país (públicas e privadas) com dados divulgados, a média no exame fica em 515,8. Das 8.732 escolas públicas com notas, 7.973 ficaram abaixo desse nível.

Foram 1.061 escolas particulares, de um total de 6.266, com notas abaixo da média.

Só escolas em que ao menos metade dos alunos fizeram o Enem têm suas notas divulgadas. Também é necessário um mínimo de dez alunos participantes. Dessa forma, 60% das escolas públicas brasileiras ficam fora da lista de médias do Enem. No Estado de SP, por exemplo, 75% das unidades não aparecem.

A participação na prova nas escolas particulares é o oposto. Só 23% das escolas privadas do país não atingiram o critério de divulgação.

No total, 14.998 escolas de ensino médio tiveram a média no Enem 2015 conhecida.

O Enem é usado como vestibular por praticamente todas as universidades federais do país. A USP, que é estadual, vai selecionar 21% dos alunos no próximo ano pelas notas no exame.

'IMPORTADOS'

Em 19 das 100 melhores escolas, ao menos 80% dos alunos não cursaram os três anos do ensino médio no mesmo local. Em 2014, eram 15.

Além disso, 42 delas têm até 60 alunos –sendo 17 delas com até 30 estudantes.

Criar escolas pequenas com os melhores alunos, muitos tirados de outras escolas, têm sido uma estratégia para despontar no ranking. A prática é criticada por especialistas.

Essas unidades não representariam uma escola real, acessível às famílias. As unidades defendem que buscam criar condições específicas para alunos acima da média.

Levando em conta a rede pública, a federal tem 36 unidades entre as 100 primeiras. O restante é de escolas técnicas, como as Etecs de São Paulo, e unidades de aplicação ligadas a universidades ou fundações municipais.

As redes estaduais concentram 84% das matrículas no ensino médio –a melhor colocada dessas escolas, no entanto, está só em 1.700º lugar na lista geral do país.

Trata-se da escola Gomes Carneiro, de Porto Alegre (RS), que obteve nota superior à média da rede privada.

A diretora, Susana Souza, 50, aponta a baixa rotatividade de professores e envolvimento dos pais como parte do sucesso. Mas dificuldades, como atraso da verba de merenda, preocupam. "Nossa forma de protestar é mostrando o nosso melhor", diz.

No anúncio dos dados, em Brasília, representantes do MEC voltaram a defender o projeto de reforma do ensino médio do governo Temer (PMDB). "Muitos alegam que a reforma vai aumentar a desigualdade, mas é o contrário, ela vai promover maior equidade ao sistema", disse secretária-executiva da pasta, Maria Helena Guimarães.

Uma medida provisória já foi publicada com as mudanças, que preveem diversificação do currículo. Antes prevista para 2018, Guimarães cogitou a possibilidade de que só em 2019 a implementação ocorra. O Congresso tem quatro meses para validar a medida.