Mais tempo em sala de aula não fez brasileiros aprenderem mais
Como a qualidade da educação no Brasil é ruim, mais tempo em sala de aula acrescenta pouco na aprendizagem e, de quebra, não contribui para aumentar a produtividade do brasileiro. Esse foi um dos resultados preocupantes apontados no estudo “Panorama Brasil”, realizado pelo Insper em parceria com a consultoria em gestão Oliver Wyman, levantamento que analisou a evolução dos principais indicadores relacionados a renda e produtividade nas últimas décadas.
Entre 1990 e 2010, o número de anos de estudo no Brasil de pessoas com 15 anos ou mais aumentou de quatro para oito anos. Ao mesmo tempo, os estudantes brasileiros continuam entre os piores do mundo, segundo dados do Pisa, avaliação internacional feita pela OCDE a cada três anos – com estudantes de 15 anos, de mais de 70 nações e economias –, cujos resultados foram destacados pelo Insper. Na última edição do Pisa, a de 2015, o Brasil ficou em 63º lugar entre 72 países, tendo variado pouco no ranking desde 2000, quando começou a participar do exame.
A péssima qualidade de educação respinga diretamente na eficiência e satisfação do brasileiro. “A qualidade de educação é muito mais importante do que a quantidade de educação para o crescimento econômico”, lembrou o estudo. A “baixa qualidade da educação, apesar dos massivos investimentos públicos nessa área” interferem diretamente na estagnação da produtividade.
Tirando outros fatores externos ao trabalhador, que interferem na sua eficácia – como problemas de infraestrutura ou de mercado –, a má qualidade da educação foi um dos fatores preponderantes, de acordo com o estudo, que levou à derrocada da produtividade do brasileiro: em comparação à dos norte-americanos, a produtividade dos brasileiros caiu de 69% em 1996 para 48% em 2014.
Ensinar a pensar e a produzir ciência
A relação entre a qualidade da educação e produtividade está apoiada, no estudo do Insper, entre outros documentos, no relatório de competitividade global do Fórum Econômico Mundial de 2015-2016. No levantamento, organizado pelo professor Xavier Sala-I-Martín, da Universidade de Columbia, o pesquisador aponta que a educação foi bem-sucedida em nações que focaram a criatividade, o pensamento crítico e a curiosidade dos estudantes – quesitos falhos na educação brasileira, também de acordo com o Pisa. Enquanto estudantes da Coreia do Sul conseguem transcender as fórmulas e dar soluções criativas, os brasileiros costumam não se sair bem em questões que pedem reflexão e um pouco mais do que equações.
Para melhorar esse desempenho, ao conteúdo tradicional de ciência, matemática e leitura deveriam, segundo o pesquisador da Universidade de Columbia, ser adicionadas aulas que ensinem a pensar e a produzir ciência. Como diz Andreas Schleicher, diretor de educação da OCDE, “o mundo não recompensa mais as pessoas por aquilo que sabem – o Google sabe tudo – mas por aquilo que conseguem produzir a partir disso”.
Ocimar Alavarse, professor do departamento de Educação da USP, entende que a falta de estrutura para as disciplinas que desenvolvam a criatividade e a autonomia dos alunos está entre os motivos para a ausência no incremento de qualidade na educação – e também para o pouco estímulo ao pensamento científico, tanto em escolas públicas quanto nas particulares.
“Então existe geralmente uma escola fechada nela mesma e muito pobre. Com os alunos passando o dia inteiro numa sala de aula repetindo conceitos”, sintetiza.
O investimento na formação dos professores, segundo Alavarse, também deveria ser um ponto central dentro das políticas públicas de melhoria. “Precisamos de um investimento concentrado na formação de professores, como tornar os cursos de licenciatura públicos para atender melhor os nossos alunos”.
Mudança de gestão
Na opinião do coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, Naercio Menezes Filho, uma mudança na gestão da educação poderia trazer impactos positivos na qualidade de ensino. O Brasil, acredita, deveria conviver com diversos modelos de escolas, como em outros países. Um desses modelos seria algo como as charters schools dos Estados Unidos, unidades públicas com gestão privada, que aqui no Brasil têm sido replicadas em forma de Organizações Sociais (OS) em creches e hospitais. Para ele, a principal vantagem da gestão privada é a liberdade para gerir os recursos em busca de resultados, cobrar metas dos professores, decidir sua alocação.
“As charters schools atendem a rede pública, mas são geridas por entidades privadas sem fins lucrativos e ficam livres das amarras da legislação. Essa liberdade faz com que elas consigam inovar mais”, avalia.
Outra possibilidade, sugerida pelo criador e curador do projeto “Fronteiras do Pensamento”, Fernando Schüler, em artigo, é o sistema de voucher para alunos de Ensino Fundamental e Médio, como ocorreu com o programa do ProUni nas universidades. Assim, pais e alunos poderiam escolher onde estudar, com incentivo financeiro do Estado.
Para o coordenador de projeto da ONG Todos pela Educação, Caio Callegari, as mudanças de gestão são necessárias, mas podem ser feitas mesmo no ensino público, desde que condicionem o repasse de recursos a Estados e municípios a um conjunto de boas práticas.
“O que precisamos construir no Brasil é um processo de difusão de boas práticas de gestão. E a partir da formulação desse cardápio de boas práticas de gestão, você faz o repasse de recursos. Então os Estados e municípios receberão os recursos à medida que consigam cumprir de fato algumas práticas”, diz.
Como exemplo de boas práticas, Callegari cita o Ceará, que realiza o repasse do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) aos municípios não apenas pelo critério do número de matrículas, mas também pelo direcionamento efetivo do dinheiro.