Ministério da Mulher lança campanha para incentivar “detox digital” nas famílias
Ministra da pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves está preocupada com o uso excessivo de celulares por crianças, adolescentes e adultos e com a maneira como isso vem interferindo nas relações familiares. Em entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, na manhã desta terça-feira (9), ela falou sobre o programa Reconecte, que tem por finalidade alertar a população para os riscos da utilização demasiada da tecnologia.
— Faremos um ato chamado "detox digital", onde vamos desafiar o Brasil inteiro a ficar um dia "desconectado" e oferecer opções do que fazer. Desafiar a ficar sem celular durante o jantar, por exemplo. Vai ter campanha publicitária em jornal, rádio, televisão — afirmou Damares no Timeline. — Quero ver os jornalistas um dia inteiro desconectados — desafiou.
Sobre o resgate de valores familiares, a ministra esclareceu que a ideia é fortalecer os vínculos entre as pessoas e rechaçou o conceito pejorativo da expressão "família brasileira".
— (As pessoas) acham que a palavra família é conservadora e precisam reagir, mas isso começa a ser desmistificado quando eu digo que a ministra da Família tem uma família diferente. Tem família mais diferente do que a minha? Somos eu e minha filha indígena. Família é o vínculo, queremos chamar atenção é para o vínculo! — destacou.
O programa Reconecte tem cinco eixos: tecnologia e dignidade humana; responsabilidade digital; tecnologia e saúde; segurança digital e cultura digital. Conforme explicou Daniel Celestino, coordenador-geral de Enfrentamento a Vícios e Impactos Negativos do Uso Imoderado de Novas Tecnologias, o governo trabalha com o intuito de levar a mensagem a pessoas de todas as idades. Ele disse que as orientações podem servir, inclusive, a idosos, que, muitas vezes, por desconhecimento, não protegem seus dados pessoais na internet ou, então, compartilham informações que não têm veracidade.
Ainda serão abordados no projeto a relação de doenças com a dependência digital e temas mais delicados, como a pornografia infantil. No ano passado, uma ação articulada entre a organização não governamental Safernet e o Ministério Público Federal identificou a existência de mais de 6 mil sites com vídeos e imagens de estupro de menores.
Uma das atividades planejadas no âmbito do Reconecte é o Desafio Detox Digital Brasil, que deve ser realizado, em outubro, em São Paulo, no Distrito Federal, no Rio de Janeiro e no Paraná. A proposta é que as pessoas, ao aderir à iniciativa, troquem, durante um dia, o tempo que gastam manuseando celulares, computadores e outros dispositivos eletrônicos por atividades offline.
Exposição desmedida da vida pessoal
O psicólogo Cristiano Nabuco, coordenador do Núcleo de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria do Hospital de Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), é de opinião que a humanidade está vivendo "um momento histórico", em que a exposição da vida pessoal se tornou "desmedida". Segundo ele, essa exposição tem contribuído para a atração das pessoas pela espetacularização de eventos cotidianos e comuns.
— As redes sociais existem desde que o homem é homem. Se eu for à universidade, à cafeteria, é uma rede social. O que nós temos hoje é a amplificação muito expressiva, fazendo com que aquilo que eu poderia falar para algumas poucas pessoas hoje seja estendido para milhões.
Outro traço do período, segundo o psicólogo, seria a busca constante das pessoas por validação por meio da internet. Para Nabuco, os usuários têm reforçado, no ambiente online, a sensação de recompensa e valorização, por meio de likes (curtidas) no conteúdo que veiculam.
Nabuco destaca como exemplo que, na contemporaneidade, as pessoas não estariam mais se dedicando tanto a postar fotos de celebridades que admiram. Em vez disso, elas estariam mais propensas a publicar imagens delas mesmas, as chamadas selfies, melhoradas com filtros que as embelezam e as aproximam daquilo que idealizam, ainda que tudo se concretize apenas nas aparências.
— Esse mundo virtual oferece absolutamente tudo — disse o especialista.
Nabuco acrescenta que, apesar de o advento de veículos de comunicação ter apavorado outras gerações, as tecnologias atuais o inquietam por terem elevado grau de manipulação. Na sua opinião, a vigilância de empresas em torno dos usuários propicia exageros, já que os induz a permanecer por mais tempo em ambientes online, oferecendo conteúdos que cabem perfeitamente em seu rol de interesse.
— Quando surgiu o jornal, minha mãe falava que muita gente dizia que ia perder as relações por conta dele. Quando chegou o telefone, (diziam) "meu Deus, vai amputar aspectos importantes dos relacionamentos". É uma tecnologia neutra. Isso vai depender absolutamente da forma como você utiliza. As pesquisas têm mostrado que as empresas estão trabalhando para que, a cada 24 horas, os sistemas de software se tornem mais manipulativos. A cada 24 horas, essas empresas trabalham para sequestrar sua atenção. Quanto mais tempo você ficar, mais tempo elas valem. Elas visam maximizar seu engajamento — opina Nabuco.