Não são só as crianças: baixa vacinação de adultos também preocupa

Veículo: BBC Brasil - BR
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Após conquistar em 2016 um certificado internacional por ter conseguido eliminar o sarampo, o Brasil viveu nos anos recentes uma derrocada no combate a essa doença, que pode ser fatal. Em 2018, o país voltou a ter casos confirmados dessa infecção viral e chegou a 2022 com surtos ativos no Amapá e em São Paulo.

Para especialistas entrevistadas pela BBC News Brasil, uma das explicações para essa preocupante reviravolta no combate ao sarampo é a baixa vacinação de adultos contra a doença — embora qualquer um que tenha até 59 anos de idade e não tenha sido vacinado tenha o direito de ser imunizado gratuitamente na rede pública.

A vacinação, hoje centrada no imunizante tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola), é considerada a principal arma no combate à doença.

“Nós não conseguimos interromper a cadeia de transmissão, porque ainda tem adultos doentes (com sarampo). Estão sendo feitas campanhas e mais campanhas de vacinação, e essa população não comparece”, afirma Carla Domingues, epidemiologista e coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI) entre 2011 e 2019.

Em média, aproximadamente 73% dos brasileiros na faixa etária de 1 a 4 anos de idade estão vacinados contra o sarampo; entre 5 e 24 anos, a cobertura é considerada total (estimada em 99-100%). A partir daí, os números começam a cair: 83% de cobertura vacinal de 25 a 29 anos; 72% de 30 a 49 anos; 49% de 50 a 59 anos; e apenas 20% entre aqueles com mais de 60 anos.

Esses números foram calculados pela BBC News Brasil a partir de dados estaduais enviados pelo Ministério da Saúde.

“A vacinação da população adulta e mesmo adolescente sempre foi muito mediana”, acrescenta, referindo-se não apenas à imunização contra o sarampo, mas a todas as vacinas que os adultos devem tomar, seja com doses iniciais ou de reforço.

A vacina contra o sarampo é só uma dos vários imunizantes disponíveis para maiores de idade — o site da Sociedade Brasileira de Imunizações, a SBIm, traz cartilhas com informações sobre todas as vacinas que devem ser tomadas em diferentes fases da vida, do nascimento à terceira idade.

Muitas delas foram incluídas no PNI em décadas recentes, portanto, as gerações mais velhas não tiveram, quando crianças, acesso às imunizações existentes hoje ou ao número de doses recomendadas atualmente.

Apesar de parecer consenso que a cobertura vacinal de maiores de idade é bem mais baixa que entre as crianças, são escassos os dados sobre os percentuais de adultos e idosos que estão em dia com todas as doses e vacinas recomendadas e as flutuações ano a ano.

Na plataforma Datasus, do Ministério da Saúde, é possível ver por exemplo que a cobertura vacinal de crianças contra diversas doenças, como tuberculose e poliomielite, vem diminuindo consideravelmente nos anos mais recentes — para alguns imunizantes, a queda começou perto de 2016, e para outros, entre 2018 e 2019.

Já para adultos, praticamente não há dados na plataforma. Existem apenas números da cobertura vacinal dos imunizantes dT (contra difteria e tétano) e dTpa (difteria, tétano e coqueluche) entre gestantes — que, no Brasil, são na maioria adultas. Em 2020, 86% das crianças nascidas vivas no país tinham mães com mais de 20 anos de idade, de acordo com dados do ministério.

A cobertura vacinal de grávidas com doses de dT e dTpa, que já era baixa, caiu fortemente nos últimos anos. Em 2018 a 2019, a cobertura foi de 45%, diminuiu para 22,9% em 2020 e para 18,9% em 2021. Em outubro de 2022, a cobertura estava em 12,8%.

Para a pediatra Isabella Ballalai, vice-presidente da SBIm, esses baixo números são decepcionantes, uma vez que o controle da vacinação deve fazer parte do pré-natal.

“A maioria das nossas gestantes passa pelos programas de saúde da família, já que a maioria é atendida na rede pública, e não em consultórios particulares. Como assim elas não estão recebendo essa orientação (para atualizar a carteira de vacinação)?”, indaga a médica.

“A gente sabe que 100% das mortes por coqueluche acontecem em menores de um ano, a grande maioria nos primeiros seis meses de vida. Por isso, a gente vacina a gestante”, aponta, referindo-se a uma das doenças prevenidas com a dTpa. “A gente eliminou o tétano neonatal graças a vacinar gestante. O bebê pegava tétano no parto.”

Carla Domingues, ex-coordenadora do PNI, lembra que as vacinas recomendadas para gestantes — não apenas as dT e dTpa — protegem a própria saúde dessas mulheres.

“A gestante tem uma imunossupressão natural da gravidez, ela fica realmente com o sistema imunológico comprometido. Ela tem o risco de adoecer, de ter complicações e chegar a óbito. A gestante deveria ser uma ação prioritária do Sistema Único de Saúde (SUS), até porque ela faz o pré-natal. Não tem justificativa uma uma mulher que faz o pré-natal não ter a sua caderneta de vacinação em dia”, diz a epidemiologista.

“Na minha opinião, a baixa vacinação de gestantes deve ser a prioridade nesse momento.”

Outro sinal de queda recente na vacinação de gestantes e de outros grupos maiores de idade vem da imunização contra o vírus da influenza. A campanha nacional de vacinação contra a gripe para 2022 já é considerada encerrada, segundo o Ministério da Saúde. Vários grupos prioritários ficaram abaixo da meta de 90% de cobertura vacinal.

Dados ainda parciais para este ano mostram que 56% das grávidas foram vacinadas contra a gripe — contra 78% em 2021. As puérperas, aquelas que estão no pós-parto e também são um grupo prioritário nesta imunização, têm um percentual ainda menor: 52,6%. Em 2021, o percentual neste grupo foi de 85,1%.

Os idosos, grupo que costuma ser um dos mais assíduos na vacinação da gripe e que, em 2020, teve 100% de cobertura, teve adesão aquém do esperado em 2021 (70,9%) e 2022 (69,8%).

“A vacinação de gripe varia de acordo com a percepção de risco pela população. Em 2020, quando começou a pandemia, a cobertura foi muito grande, porque todo mundo estava assustado com a covid e buscando se proteger da gripe também. Em 2021, ninguém mais estava preocupado com a gripe. A cobertura foi baixíssima, assim como esse ano”, explica Ballalai.

Em segundo plano

Carla Domingues reconhece que, durante a pandemia de coronavírus, os serviços de saúde ficaram sobrecarregados com a nova doença, e a vacinação contra outras enfermidades ficou em segundo plano, tanto para o sistema de saúde e seus profissionais, quanto para a própria população.

“Isso aconteceu não só no Brasil, mas em vários países do mundo. Com a pandemia, as pessoas ficaram com receio de ir ao serviço de saúde, acabaram não entendendo que a vacinação também era uma atividade essencial. Mas ao mesmo tempo, não houve uma mobilização do SUS. Não se escutou em momento algum que a vacinação era uma atividade essencial que não deveria parar”, aponta.

As especialistas entrevistadas afirmam que a vacinação de adultos sempre foi menos prioritária nas ações e divulgações do governo, o que para elas deve mudar, com mais investimentos para chegar a essa população.

Há também um fator cultural: elas apontam que falta informação e acompanhamento da vacinação dos maiores de idade por parte dos profissionais de saúde e pela própria população.

Por exemplo, é comum que adultos não guardem com cuidado suas carteiras de vacinação, perdendo controle de quais imunizantes tomaram e quais estão faltando. Na dúvida, quando não se sabe se uma pessoa tomou ou não uma vacina, a orientação nos postos de saúde costuma ser aplicar o imunizante.

“O adulto também deve ter a sua carteira de vacinação em dia. O pai tem uma preocupação enorme de vacinar o seu filho, mas ele chega no posto de saúde e muitas vezes se recusa a tomar vacina. Acredito que seja realmente desconhecimento da importância da vacinação não só da criança, mas principalmente do adulto”, diz Domingues.

O cozinheiro Renan Bidutti, de 28 anos, afirma que considera a vacinação de crianças e adultos igualmente importantes, se os “estudos científicos” e as autoridades assim indicarem.

Ele mora em São Paulo (SP) e estava levando o filho de 1 ano de idade para se vacinar contra meningite em um posto de saúde quando foi abordado pela reportagem.

Apesar de concordar que os adultos também devem estar atentos à imunização, ele confessa que não sabia que a vacina dTpa deve ser reforçada a cada dez anos.

“Não imaginava que a gente tinha que tomar o reforço, porque minha carteirinha está na casa de um parente distante tem uns dez anos”, diz. “Mas tem que tomar, colocar em dia sim.”

Já o cabelereiro Daniel Araujo, de 39 anos, que aguardava a cunhada e o filho dela em frente a um posto de saúde, afirmou que é “um pouco antivacina” e não atualiza a carteira de vacinação desde a infância — com exceção da vacina de gripe e de duas doses do imunizante contra a covid-19, o qual ele disse ter tomado apenas para conseguir viajar e circular em locais que exigem comprovante de vacinação.

Araujo, morador de Guarulhos (SP) e natural de Parnaíba (PI), diz que teve efeitos colaterais ao ser vacinado contra gripe há alguns meses e por isso pretende não tomar mais doses no futuro.

Perguntado se é vacinado com todas as doses de recomendadas contra o sarampo, Araujo riu. “Eu acho que peguei sarampo há dois meses. Eu vou fazer alguns exames e vou ver se o médico acha que tem necessidade de tomar”, diz.

O cabelereiro também considera que “as crianças têm que ser mais protegidas com vacinas, porque têm o sistema mais frágil” do que os adultos — o que a médica Isabella Ballalai refuta, explicando que as vacinas têm a função justamente de fornecer imunidade contra doenças que as pessoas não têm normalmente, independente da idade.

“As crianças vivem o primeiro ano de vida às custas dos anticorpos maternos, mas esses anticorpos maternos vão acabando. Por isso que a maioria das vacinas do calendário são aplicadas em crianças, porque elas precisam da vacina para produzir logo seus anticorpos”, explica.

Sobre os efeitos adversos, ela explica que eles são raros — e há muitas etapas de testes clínicos anteriores para garantir isso — e são superados pelos benefícios da imunização, coletivamente e individualmente, já que o mais frequente é que um eventual acometimento pela doença cause muito mais dano do que os efeitos adversos.

“Mas qualquer vacina pode causar efeito adverso. Aliás, qualquer medicamento pode causar efeito adverso”, lembra a médica.

Carla Domingues acrescenta que ter tomado vacinas do calendário básico na infância dá a “falsa sensação de proteção” a muitas pessoas, mas é fundamental tomar doses adicionais quando isso for recomendado.

“O reforço é tão importante quanto o esquema primário. A maioria dessas vacinas que exigem reforço é porque você vai perdendo a imunidade ao longo do tempo. Então, aquele esquema primário que você fez lá no início com uma, duas, três doses, quando há necessidade do reforço é justamente porque, com o passar do tempo, aquelas doses não te protegem mais, você está suscetível à doença.”

Ballalai exemplifica a importância de algumas vacinas às quais os adultos têm direito, seja por não terem sido vacinados anteriormente, como contra a hepatite B; seja como reforço, caso da dTpa.

“A vacina da hepatite B está disponível para qualquer pessoa, sem limite de idade, inclusive os maiores de 60 anos. É uma doença que pode ficar crônica. E tardiamente, às vezes 15 ou 20 anos depois, ela pode se manifestar com câncer ou uma cirrose hepática.”

“Todo mundo que pensa no tétano pensa no prego enferrujado, mas a bactéria está nas fezes do cavalo, na terra. Tem um risco enorme (no contato com objetos e áreas contaminadas).”

Em nota à reportagem, o Ministério da Saúde afirmou que realizou em 2022, para adultos, campanhas de vacinação contra a covid-19, hepatites, sarampo e influenza e que todos os esforços foram empenhados para o alcance da cobertura vacinal.

Ainda de acordo com a pasta, as mudanças ao longo dos anos nos tipos de vacinas ofertadas e no número de doses recomendadas são frutos de “avanços na imunização da população brasileira”, com o oferecimento de um “maior número de imunizantes”.

“O programa vem empreendendo esforços no sentido de introduzir novas tecnologias e vacinas com intuito de proteger a população, além de reduzir o número de injeções e visitas a salas de vacinação. Além disso, busca com essa introdução associar em um mesmo imunobiológico componentes que protejam contra mais de uma doença em uma mesma administração, a exemplo da vacina monovalente contra o sarampo, que em 2003 foi substituída pela vacina tríplice viral (sarampo, rubéola, caxumba)”, afirmou o ministério.