Novo plano nacional da primeira infância quer mais envolvimento de empresas e do Judiciário
A revisão do Plano Nacional pela Primeira Infância, apresentada nesta quinta-feira (22), quer mais envolvimento do Poder Judiciário e das empresas na compreensão da importância dessa fase, que vai dos 0 aos 6 anos. Isso significa tanto garantia dos direitos dos pequenos como reconhecimento de que pais e mães precisam de mais tempo com os filhos.
Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o Brasil tem cerca de 19 milhões de crianças nessa faixa etária.
Baseado na primeira edição, de 2010, o novo plano tem metas até 2030 e inclui conceitos que incorporam questões de saúde, educação, assistência social, segurança e desenvolvimento infantil. O documento orienta decisões, investimentos e ações de proteção e de promoção dos direitos das crianças na primeira infância.
Coordenada pela Rede Nacional Primeira Infância e a ONG ANDI – Comunicação e Direitos, com participação de centenas de entidades ligadas à primeira infância, a revisão é um instrumento para fazer leis, como o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e o Marco Legal da Primeira Infância, “virarem realidade”, segundo Vidal Didonet, especialista em políticas públicas da primeira infância que comandou a elaboração da primeira edição e da atual revisão do plano.
Entre as cinco novas metas acrescentadas em 2020, uma trata da relação do Judiciário com a criança. “É no sistema garantidor de direitos, do qual fazem parte juízes, promotores e defensores públicos, que vão parar casos graves como abandono, omissão da família e violência contra a criança. E eles precisam entender como é o desenvolvimento infantil para poder conduzir essas questões de forma a não prejudicar a criança”, explica Didonet.
Segundo o professor, quanto mais um juiz entender sobre como uma criança se desenvolve, se expressa e como são as técnicas de escuta, por exemplo, mais elementos ele terá para conduzir a solução de um caso.
Ao compreender melhor o universo da criança, Didonet aponta que o Judiciário pode pedir dados mais assertivos e conseguir, assim, reunir informações importantes antes de tomar uma decisão.
No caso de defensores públicos e promotores, um maior conhecimento sobre as demandas da primeira infância pode ajudar no entendimento de questões delicadas, como saber quem está com a razão em casos de alienação parental, por exemplo.
“Quando esses agentes se envolvem em questões da primeira infância, é possível traçar estratégias e ter uma mobilização muito positiva”, explica Didonet.
Ele cita como exemplo a mudança de postura do Ministério Público em relação à defesa do direito à creche. Em vez de a Promotoria ordenar que as secretarias de Educação criassem vagas individuais para crianças com ações na Justiça, resolveu priorizar acordos com o Poder Público para zerar a demanda de creche nas cidades.
Atento à necessidade de aperfeiçoamento dos profissionais que lidam com questões de primeira infância, o Conselho Nacional de Justiça, que também acompanhou a revisão do plano, iniciou em outubro um curso sobre o Marco Legal da Primeira Infância. Entre os temas abordados estão as medidas de proteção previstas pelo marco, adoção e como os agentes públicos participar da rede de cuidados dessas crianças.
Outra novidade no plano é o capítulo que trata da importância do envolvimento das empresas para que pais e mães possam cuidar de maneira mais efetiva de seus filhos, com destaque para as licenças maternidade e paternidade.
“Para empresário, criança não é assunto. Queremos mudar isso. Queremos que as corporações entendam que se preocupar com os filhos dos funcionários traz benefícios”, afirma Didonet.
O plano prioriza a extensão da licença maternidade, para seis meses e da paternidade para 20 dias. “O pai que passa todo esse tempo ao lado da companheira e do filho recém-nascido volta a trabalhar com outro olhar, mais focado e alegre”, diz o professor.
E, para convencer o empresariado, o plano orienta que entidades e agentes públicos promovam palestras e orientação dos contratantes sobre os benefícios fiscais e motivacionais da adoção desse tipo de medida.
O principal entrave para colocar em prática as metas propostas no plano, segundo Didonet, é a falta de conhecimento dos gestores públicos sobre o lugar da criança na sociedade.
“A sociedade encara a criança como um ser frágil, que precisa de cuidado da saúde, da família próxima, mas não dá a devida importância à educação e ao seu desenvolvimento. É só ver os recursos destinados ao ensinos infantil, fundamental, médio e à faculdade. É como uma pirâmide invertida”, diz.
Para o professor, esse investimento, que só dará frutos em duas décadas, precisa ter continuidade e fazer parte da agenda política do país. “É nos primeiros mil dias de vida que se estabelece a estrutura da personalidade humana. É ainda na primeira infância que o cérebro constrói seus canais de articulação. Não podemos deixar que a violência, a privação e a falta de estímulos e cuidado a essas crianças prejudiquem isso.”