O ranking que nenhuma sociedade se orgulha: somos o 2º país com as maiores taxas de gravidez na adolescência

Veículo: O Estado de S. Paulo - SP
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Os números têm recorte geográfico, econômico e étnico-racial, mas é um problema também da sociedade uma vez que a gravidez de uma adolescente impacta dimensões da vida humana. Entenda as responsabilidades sociais e políticas

A gravidez na adolescência é um fenômeno complexo e envolve múltiplas dimensões da vida humana.

Está diretamente relacionada ao contexto sociocultural, econômico e político, assim como às dimensões étnico-raciais e de gênero. A prevenção da gravidez durante a adolescência exige esforços dos distintos setores públicos responsáveis pela formulação e pela implementação de políticas públicas que têm como perspectiva central os direitos humanos, mas demanda também o envolvimento de todos os setores da sociedade civil, ou seja, nós.

O Brasil ocupa o 2º lugar entre países da América e Caribe em gravidez de adolescentes. São 66,5 bebês que nascem da barriga de 1000 meninas entre 14 e 19 anos, segundo dados da Plan Internacional, organização sem fins lucrativos que promove os direitos das crianças e a igualdade para as meninas.

Os números – ou as meninas – estão concentrados nas periferias, bairros mais pobres e classes sociais que vivem na chamada vulnerabilidade social brasileira. Uma parcela pequena desta taxa está concentrada na classe média alta e talvez esta informação possa fazer você, leitor, pensar “o que eu tenho a ver com isso?”.

Nenhum país, nenhuma sociedade, é capaz de crescer e se desenvolver de maneira saudável enquanto meninas tiverem que abandonar seus estudos e perder o direito à adolescência por conta de uma gravidez fora de hora. Sim, gravidez tem hora para acontecer e com certeza não é na adolescência.

Por isso é preciso informar, é preciso ter políticas públicas que garantam o direito a educação sexual nas escolas, por exemplo, que garantam a distribuição gratuita de anticoncepcionais e promovam consultas médicas regulares tanto para meninas quanto meninos. É preciso disseminar informação, conhecimento. É preciso educar. E que fique claro: tudo isto passa longe de “fazer a cabeça” dos adolescentes.

As propostas de órgãos públicos, ONG’s e escolas giram em torno da garantia de direito das meninas e não em monitoramento de seus cérebros para que façam ou acreditem em filosofias sem embasamento científico ou crenças populares.

O que estou querendo dizer com tudo isso? Que educação sexual nas escolas é fundamental para garantir os direitos das meninas, conseguir baixar os índices de gravidez na adolescência, informar meninos e meninas sobre o conhecimento do próprio corpo e empoderá-los para que possam se proteger e denunciar violências.

Como diz a escritora e mestra em educação sexual Caroline Arcari, a sexualidade “não está conectada somente aos órgãos genitais tampouco à relação sexual, mas compreende uma série de processos psicológicos, físicos e sociais de sensações, sentimentos, trocas afetivas, necessidade de carinho e contato e necessidade de aceitação”.

Logo, a educação sexual abrange um universo de habilidades para a vida, que inclui autoconhecimento, comunicação, empatia, respeito, gestão de problemas e conflitos, pensamento crítico e gestão das emoções.

Tratar a gravidez na adolescência sob uma perspectiva preventiva e de atenção integral à menina e ao menino adolescente proporciona a estes sujeitos o exercício da vida sexual e reprodutiva com base em valores e comportamentos mais autônomos, com decisões mais responsáveis, além da construção de projetos de vida a longo prazo.

Logo, também, fica fácil concluir que nenhuma menina entre 14 e 19 anos deseja abdicar da escola, das relações sociais, das festas e baladas, das possíveis novas descobertas, da suposta liberdade que a adolescência carrega para ter um bebê no colo.

Nenhuma menina quer carregar um filho no colo aos 14, 15 ou 17, 18 anos. Isso não é desejo e quando a gente, sociedade, permite que o número elevado permaneça carimbado por esses corpos, a gente permite também uma série de violências aos direitos das meninas e dos adolescentes.

Dados do CIDACS, Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para a Saúde, apontam que entre os nascidos vivos de mães adolescentes, em 2020, a maior concentração está nas regiões Norte (21,3%) e Nordeste (16,9%), seguido por Centro-Oeste (13,5%), Sudeste (11%) e Sul (10,5%).

Na pesquisa, a questão da raça também é salientada. Em 2020, do total de nascidos vivos de mães indígenas, 28,2% foram de mães adolescentes. Entre as meninas pardas 16,7% se tornaram mães adolescentes e entre as pretas, 13%. Entre os nascidos de mães brancas, 9,2% eram mães adolescentes.

Os dados deixam claros os marcadores de desigualdade em gênero, classe e raça, o que não muda quando a gente reduz o olhar e faz o recorte de uma única cidade. É o caso da capital São Paulo.

Embora a gravidez na adolescência no município de São Paulo apresente índices inferiores aos nacionais, o fenômeno não deixa de ser preocupante pelas desigualdades territoriais verificadas: a incidência é maior nas regiões mais vulneráveis e populosas.

O fenômeno pode ser agravado quando a gravidez resulta de violência sexual. Segundo estudo o Ipea, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 68% das vítimas de estupro no país são crianças e adolescentes. Isso acomete especialmente adolescentes entre 10 e 14 anos e exige um atendimento especializado.

Diante dessa realidade, o Plano Municipal pela Primeira Infância (PMPI) estabeleceu a meta de “Reduzir para menos de 10% o percentual de nascidos vivos de mães adolescentes” (Eixo IV, meta 4). Em 2019, o município registrou 9,5% e desde então a redução tem sido progressiva, atingindo 8,5% em 2021.

A Secretaria Executiva de Projetos Estratégicos, por meio do Núcleo da Política Municipal Integrada pela Primeira Infância, junto a Comissão Técnica da Primeira Infância, coordena a implementação das estratégias do plano e como primeira medida acontece a Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência que tem por objetivo disseminar informações sobre medidas preventivas e educativas que contribuam para a redução da incidência da gravidez na adolescência.

As estratégias adotadas no PMPI contribuíram para essa redução, com destaque para a construção do fluxo integrado de atenção à gravidez na adolescência, definição de diretrizes intersetoriais para garantia de direitos sexuais e direitos reprodutivos, prevenção e atenção integral à gravidez de adolescentes, a disponibilização de métodos contraceptivos e as ações de orientação sobre direitos sexuais e reprodutivos para adolescentes e profissionais das redes de atendimento e proteção.

Essas estratégias e o trabalho intersetorial entre órgãos e organizações da sociedade civil passam a ser fundamentais para que os índices sejam reduzidos e meninas adolescentes possam ter seus direitos garantidos de forma integral.

O objetivo é orientar a atuação articulada dos profissionais dos serviços públicos de saúde, educação, assistência social e proteção. Seu objetivo é promover a atenção integral na prevenção e no cuidado da gravidez na adolescência.

Agora eu retomo o início da matéria e volto a te perguntar: o que você tem a ver com tudo isso? Se ainda não ficou claro, vou dar algumas pistas. Garanta que a educação sexual nas escolas seja obrigatória. Apoie educadores, professores, orientadores e coordenadores quando eles apresentarem propostas pedagógicas que dialoguem com as questões que os adolescentes trazem.

Não tenha medo de saber que seu filho vai aprender sobre o próprio corpo e o corpo do outro. Até porque medo deveríamos ter da internet, da pornografia, dos acessos incontroláveis bem na mão deles. Isso sim deveria assustar.

Como assusta uma menina de 12, 14 ou 17 anos carregando um filho na barriga. Não dá para existir normalidade neste fato. Não dá para sermos apáticos. É uma responsabilidade social, de todos. Todos.