ONG: insegurança alimentar é maior problema de crianças na Estrutural
A avó Odenise Machado, de 52 anos, (foto abaixo) conta que proteger a neta da violência é uma das prioridades na vida. A mulher vive na comunidade Santa Luzia, na Estrutural, com Yasmin Machado, 11. “Eu não deixo ela sair de casa sozinha, porque não pode andar por aqui sem a proteção de um adulto”, explica Denise, como é conhecida.
A insegurança não atinge apenas a vida da menina. Uma pesquisa feita pela organização não governamental (ONG) Coletivo da Cidade apontou as maiores vulnerabilidades de crianças e adolescentes que vivem na Estrutural.
A organização avaliou 1.793 pessoas, integrantes de 394 famílias da região. Do total, 699 representam os meninos e meninas. Segundo o estudo, os maiores impactos vêm de insegurança alimentar (42%), violência intrafamiliar (32%), evasão escolar (10%), negligência (5%), ameaça à vida (5%), trabalho infantil (3%) e abuso sexual (2%).
Esses fatores são observados por Denise no cotidiano. Ela não trabalha, mas recebe um benefício do governo e passa o dia cuidando da casa. A avó conta que, na região, é muito comum ver crianças com problemas de alimentação por causa de baixa renda. “Tem muita mãe aqui que tem mais de 10 filhos. Aqui tem muita gente que precisa de tudo.”
Aluna do 6º ano do ensino fundamental, a neta de Denise mora com a avó porque teve problemas em casa. “Estou aqui desde o final do ano passado. Antes, morava no Valparaíso, com a minha mãe. Vim para cá por desentendimentos entre os meus pais”, explica. Desde que chegou à Estrutural, Yasmin presenciou cenas de tráfico de drogas e violência. “É passar e não olhar.”
De acordo com o Coletivo da Cidade, esses problemas são causados por uma série de fatores, como insuficiência de renda, presença do tráfico no entorno e relações familiares fragilizadas.
Para Denise, a única maneira de reverter o quadro mostrado pela pesquisa é dar suporte às crianças e adolescentes da cidade. “Os jovens precisam ser apoiados, estar sempre com a mente ocupada. Se ficarem na rua, sempre vai vir alguém pra levar para o mau caminho.”
Mudança
É com esse pensamento que Carlos Rafael Tavares, 17 anos, vive. Ele conta que já viu um homicídio e teve diversos amigos presos. “Não consigo nem contar nos dedos.” Ele é estudante do 1º ano do ensino médio e afirma que outros adolescentes já o coagiram a usar drogas e a participar de crimes diversas vezes. “Minha mãe me ensinou que isso é errado. Às vezes, tento ajudar meus colegas, mas há situações em que não tem mais jeito.”
A evasão escolar também é comum no cotidiano do jovem. “Muitos pararam de ir à escola porque já são mais velhos. Eles não querem ir à noite, porque preferem sair.”
A mãe do garoto, Maria Bertomeire, 49 anos, também fica assustada com a situação das crianças e dos adolescentes da Estrutural. “A gente vê que a violência aqui é muito grande, contra jovens, contra mulheres… É terrível.”
Berta, como é chamada pelos vizinhos, tem uma vendinha na região e é mãe de outros dois filhos, de 25 e 27 anos, que moram no Pará. “Hoje, somos só eu e o mais novo. Para mães que têm muitos meninos, é bem mais difícil.”
Rafael participa de um projeto promovido pela ONG Coletivo da Cidade. Lá, ele e outras crianças e adolescentes debatem os problemas enfrentados pela população da região. “Este mês, estamos conversando sobre abuso sexual”, explica. Para ele, esse tipo de ação ajuda os jovens a mudarem o cenário apresentado pela pesquisa.
Berta também acredita que o trabalho promovido pela ONG auxilia as famílias da Estrutural. “Lá, as mães sabem que os filhos não vão ficar na rua. Eles dão lanche no almoço. O Rafael, por exemplo, foi para lá de manhã e já almoçou.”
A organização irá debater as medidas para reverter o cenário durante um evento na próxima terça-feira (11/06/2019), no auditório da Fundação Oswaldo Cruz, localizado na Universidade de Brasília. A ação ocorre das 9h às 17h.
Insegurança alimentar
Segundo a classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), domicílios em condição de segurança alimentar são aqueles nos quais os moradores tiveram acesso a alimentos em quantidade e qualidade adequadas e não se sentiam na iminência de sofrer qualquer restrição no futuro próximo. Os domicílios com insegurança alimentar são aqueles em que foram detectados problemas com a quantidade e qualidade da alimentação disponível.