Pandemia deixou milhões de crianças com atraso na vacinação, aponta Unicef
Vacinação infantil: relatório indica ainda queda na confiança de brasileiros nos imunizantes e em 51 países
A pandemia da Covid-19 deixou inúmeras marcas nas pessoas em todo o mundo nos últimos três anos, e talvez a maior delas tenha sido nas crianças.
O fechamento das escolas por um longo período, o isolamento de familiares e a falta de contato em idade escolar com outras crianças possivelmente atrasaram o desenvolvimento infantil e até afetaram a circulação de vírus comuns na infância, que tiveram queda nos dois primeiros anos de pandemia.
Além disso, a pandemia deixou uma marca profunda nos indicadores de vacinação: no mundo, 48 milhões de crianças não receberam nenhuma dose preconizada da vacina DTP (difteria, tétano e coqueluche), que protege contra infecções bacterianas na infância. E, considerando a necessidade dos reforços vacinais durante os primeiros 15 meses de vida, são 67 milhões de crianças com atraso vacinal.
Os números constam no relatório anual global do Unicef “Situação Mundial da Infância 2023: Para cada criança, vacinação”, divulgado nesta quinta-feira (20). Só no Brasil, os números indicam 1,6 milhão de crianças deixadas sem vacinação, e outras 2,4 milhões com atraso vacinal, dados alarmantes para a proteção da saúde dos menores.
Além do atraso na vacinação, o levantamento aponta ainda uma queda na confiança global dos imunizantes em 52 países, sendo que apenas três apresentaram aumento na confiança da população sobre vacinação: Índia, China e México. No caso do Brasil, a confiança nas vacinas caiu de 99,1%, em 2019, para 88,8%, uma redução de cerca de dez pontos percentuais.
Para Cristina Albuquerque, chefe de saúde do Unicef no país, é urgente procurar recuperar a vacinação das crianças ainda na idade adequada para a imunização. “Se não formos atrás das crianças que não foram vacinadas no período de 2019 a 2021, estas crianças correm o risco de estarem à mercê de doenças infecciosas da infância”, disse.
Como as coberturas vacinais estão em queda em todo o mundo, não só no Brasil, o relatório dofundo das Nações Unidas para infância aponta algumas diretrizes para tentar recuperar a vacinação, como por exemplo restabelecer o vínculo entre as comunidades e as famílias (com, por exemplo, ação de lideranças religiosas para estimular a imunização) e de busca ativa, procurando as crianças que não receberam nenhuma dose ou estão com atraso vacinal ativamente.
“É importante que a imunização nos estados e municípios seja homogênea. Não adianta ter um município com uma cobertura elevada e ter bolsões de baixa cobertura, porque o agente infeccioso vai continuar circulando ali”, afirma Albuquerque. “Nenhuma criança está segura enquanto todas não estiverem protegidas.”
A visão de Albuquerque faz coro ao slogan da pesquisa: “Para cada criança, vacinação”, indicando também a mudança apresentada no relatório de reportar o número de crianças sem vacina, e não de taxa vacinal. “A medida de cobertura vacinal é importante e correta do ponto de vista de saúde pública, mas optamos por trazer o número em milhões de crianças não vacinadas ou não imunizadas”, diz.
Em 2019, cerca de 13,3 milhões de crianças no mundo estavam com zero dosese 5,9 milhões com doses atrasadas (referentes à DTP3, ou terceiro reforço). Esse número saltou para 18,2 milhões e 6,8 milhões, respectivamente, em 2021, ou 1 em 5 crianças em locais pobres ou vulneráveis.
No caso do Brasil, há quase 1 em cada 3 crianças com zero dose, totalizando 1,6 milhão. Isso coloca o país na lista dos 20 com maior número de crianças sem vacinação. Em países ricos, 1 em cada 20 crianças não está imunizad adequadamente.
O levantamento do Unicef aponta ainda que cerca de 40% das crianças que estão sem a primeira dose do imunizante DTP em toda a região da América Latina e Caribe estão no Brasil.
“E isso é uma preocupação muito grande, uma vez que tudo que ocorre em um país continental do porte do Brasil impacta toda a região”, afirma Albuquerque.
A metodologia adotada no estudo foi de calcular o número de crianças que não receberam a primeira dose da vacina DTP, que no Brasil é também chamada pentavalente, pois ela protege contra cinco tipos de infecções bacterianas.
A imunização completa da DTP é feita com uma dose aos dois meses de idade seguida de dois reforços: um aos quatro e outro aos seis meses. Semelhante, a vacina contra poliomielite, também com três doses, indica também um atraso de cerca de 1,66 milhão de crianças no Brasil. Regionalmente, áreas periféricas e rurais do país são as com maior número de crianças com atraso vacinal.
“Quando falamos do número de crianças, as regiões mais populosas apresentam o maior número de crianças que não estão protegidas, embora a cobertura vacinal seja mais baixa em estados do Norte e Nordeste”, afirma Albuquerque.
Os dados foram coletados em 112 países pelos governos locais para o período de 2019 a 2021 e enviados ao Unicef para cálculo das doses em atraso até julho de 2022. Dados do Ministério da Saúde apontam para uma queda de diferentes tipos de imunizantes, atingindo a menor marca em 2022.
Na próxima semana, entre os dias 24 e 30 de abril, é celebrada a Semana de Vacinação nas Américas. A ministra da Saúde, Nísia Trindade, esteve presente na cerimônia de lançamento do relatório, no auditório da Opas (Organização Pan-Americana de Saúde), braço nas Américas da OMS (Organização Mundial da Saúde), e reafirmou o compromisso do governo atual em recuperar a vacinação.
“Chegamos a ter mais de 95% de adesão só na vacina da poliomielite, e hoje temos os números trágicos apresentados na pesquisa, o que coloca uma grande preocupação sobre a desproteção de nossas crianças”, afirmou. “Esse compromisso é não só da Saúde, mas de todos os ministérios, secretários estaduais, prefeitos e governadores e, também, é fundamental a participação da comunidade civil.”
Segundo Youssouf Abdel-Jelil, representante do Unicef no Brasil, o país por meio do seu PNI (Programa Nacional de Imunização) sabe fazer campanhas nacionais de vacinação, e com certeza terá sucesso em recuperar os números. “O país sempre foi um exemplo e tem um dos maiores sistemas públicos de saúde no mundo que precisa ser valorizado e reconstituído. Os eforços precisam ser coletivos.”
Para Eder Gatti, diretor do departamento de Imunização e Doenças Imunopreveníveis do Ministério da Saúde, o Brasil tem cerca de 3 milhões de nascidos vivos por ano e, calculando o atraso possível da pandemia, é provável que mais de 9 milhões de crianças não tenham recebido as vacinas nos últimos anos. “Vamos trabalhar em várias frentes com escolas, campanha de conscientização, ações voltadas aos profissionais de saúde, multivacinação para recuperar esse atraso”, disse.
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