Para 78% dos professores, crianças da pré-escola têm expressão oral e corporal afetadas durante a pandemia, diz pesquisa
Crianças da pré-escola (4 a 5 anos) estão apresentando sinais de déficit no desenvolvimento da expressão oral e corporal no período de suspensão das aulas presenciais, de acordo com uma pesquisa feita pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.
Os dados da pesquisa foram coletados em duas cidades – uma do Nordeste e outra do Sudeste. Foram ouvidos 2.070 professores e familiares de alunos matriculados em 77 escolas públicas, privadas e conveniadas. A falha na aprendizagem foi detectada por profissionais de educação ouvidos no levantamento, obtido c om exclusividade pelo G1.
Para 78% dos professores, os pequenos estão se desenvolvendo menos do que deveriam. Ao todo, 4 milhões de crianças estão matriculadas em pré-escolas no país, segundo dados do Censo Escolar 2020.
A pesquisa também mostra que a diferença no ambiente de aprendizagem dentro de casa chega a 20 pontos percentuais entre famílias ricas e pobres. Atividades como pintar, desenhar, recortar papéis e ouvir histórias são mais frequentes em lares de nível socioeconômico mais alto, e mais raras nos grupos mais vulneráveis.
A pesquisa também indica que 37,6% dos alunos apresentam problemas de conduta em uma faixa considerada de risco ou de atenção. Outros 24,8% têm problemas de relacionamento (veja os dados abaixo).
A reabertura das salas de aula para crianças pequenas é um desafio a ser enfrentado durante a pandemia. É preciso garantir que respeitem o distanciamento social,
Rodas de conversa, leitura e música
Com escolas fechadas, atividades como rodas de conversa, leitura e música não são desenvolvidas plenamente no ambiente domiciliar, atrasando o desenvolvimento dos pequenos.
“A escola é um ambiente institucional que traz diversidade de perspectivas para a criança, algo que ela não vai ter se estiver só em casa”, afirma Beatriz Abuchaim, gerente de conhecimento aplicado da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.
“As escolas têm currículo, com objetivos de aprendizagem e intencionalidade pedagógica. Isso permite a inserção das crianças no mundo social e da cultura letrada. O dado mostra a falta que faz, para a criança, ter contato com seus pares, e o quanto ela aprende com estas interações. Por mais que tenham irmãos ou vizinhos, não é a mesma coisa que aprendem na escola”, analisa.
Ambiente de aprendizagem e conectividade
O estímulo às crianças em casa, com atividades motoras e lúdicas como pintura, desenhos, recortes de papéis, colagens e contação de histórias, não são os mesmos em todos os lares. Quanto maior a renda, maiores as oportunidades das crianças.
Mais de 60% das famílias de crianças na escola pública afirmam não ter acesso à internet, ou ter baixa qualidade do na conexão, o que dificulta as atividades remotas, aponta pesquisa. — Foto: Bermix Studio / Unsplash
O mesmo ocorre com a conectividade. Mais de 60% das famílias de crianças na escola pública afirmam não ter acesso à internet ou ter baixa qualidade na conexão, o que dificulta as atividades remotas. Nas escolas privadas, esse problema atinge 17% dos lares.
“Isso quer dizer que as desigualdades educacionais serão maiores. A aprendizagem pode ser recuperada, mas a gente precisa ter políticas públicas voltadas para estes grupos mais vulneráveis. As condições que as famílias têm para passar este período são muito desiguais”, avalia o doutor em educação Tiago Bartholo, do Laboratório de Pesquisa em Oportunidades Educacionais (Lapope), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um dos responsáveis pela pesquisa.
Bartholo afirma que os resultados da pesquisa estão alinhados com outros estudos feitos em países como Holanda, Bélgica e Inglaterra. Eles apontam que as atividades remotas têm efeito quase nulo na aprendizagem das crianças e que o isolamento social afeta o desenvolvimento infantil.
“São países com desigualdades educacionais menores que do Brasil. Não será surpresa, infelizmente, se os dados da última fase do estudo, no retorno das crianças à escola, confirmarem essas pesquisas trazem e a percepção atual dos professores”, diz o pesquisador.
Desenvolvimento acelerado na infância
O impacto da pandemia nas crianças poderá ter reflexos futuros, já que é na primeira infância (0 a 5 anos) que o cérebro se desenvolve mais rapidamente.
Aos 4 anos, a criança tem mais da metade do potencial cerebral de um adulto. Aos 6, 90% das conexões cerebrais estão estabelecidas, de acordo com um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Pesquisas recentes indicam que as conexões cerebrais nesta fase se formam a um ritmo de até 1 milhão por segundo, e diminuem progressivamente após a primeira infância.
Mas, para Bartholo, se forem pensadas políticas públicas para mitigar os efeitos da pandemia, a defasagem poderá ser minimizada.
“Não é um tempo perdido. Há, sim, possibilidade de essas crianças retomarem o aprendizado e desenvolvimento”, afirma o pesquisador.
“O importante é que as escolas deem suporte às famílias, pensando na estruturação dessas rotinas: como seria um dia bacana para uma criança de 4 anos? O que precisa ter? Como viabilizar isso na realidade de cada família?”, sugere.
“Outro aspecto é pensar na reabertura, quando for seguro, tanto com foco em bem-estar quanto em desenvolvimento pedagógico. Será preciso traçar programas e objetivos para a retomada desse contato diário nas escolas”, afirma.