Pesquisa mapeia retrocessos na saúde e educação de crianças

Veículo: Correio Braziliense - DF
Compartilhe

Aproximadamente 450 mil crianças no Brasil podem não estar formalmente matriculadas em instituições de ensino, considerando os pré-escolares, segundo dados do estudo Impactos da Desigualdade na Primeira Infância, realizado pelo Comitê Científico do Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI). Baseado em pesquisas sobre o desemprego, pobreza extrema, desigualdade educacional, mortalidade infantil e na queda na vacinação e insegurança alimentar, o levantamento mapeia o retrocesso no desenvolvimento social de crianças com zero a seis anos. Para formar melhores cidadãos futuros, os pesquisadores ainda propões mudanças nas estruturas sociais.

A pesquisa avalia os indicadores da primeira infância brasileira nos aspectos socioeconômicos, educacionais e de saúde entre os anos de 2001 e 2022. Além disso, aponta avanços necessários nas políticas públicas para a promoção da equidade. E conclui que ainda persiste uma grande desigualdade na educação infantil entre regiões do país em diversos aspectos, como características socioeconômicas das famílias e na cor ou raça das crianças. Conforme a análise, essa diferença gritante ocorre mesmo com progressos importantes para faixa etária infantil, como a ampliação do atendimento na educação e a queda na mortalidade nos anos que antecederam a pandemia.

O estudo revela que um em cada três domicílios com crianças de até seis anos são afetados pela fome entre 2021 e 2022, e que a insegurança alimentar constitui o principal desafio enfrentado durante a pandemia de covid-19.

Fome e desnutrição

“A fome e o consequente risco de desnutrição infantil e seus efeitos de longo prazo precisam ter a atenção máxima dos gestores. Esse negligenciamento afeta o desenvolvimento motor, cognitivo e socioemocional das crianças. E a escola também é um local importante para garantir a alimentação de qualidade”, observa a pesquisadora Márcia Castro, uma das coordenadoras do estudo.

Castro aponta o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) — projeto que oferece alimentação escolar a estudantes da educação básica pública — como importante agente ativo neste processo. “O programa é extremamente necessário para prevenir e combater a desnutrição infantil e as desigualdades logo no início da vida, principalmente para creches e pré-escolas, que foram as etapas mais afetadas pela fome”, comenta.

Desigualdade educacional

O estudo mostra, ainda, que somente 45% das crianças pretas e pardas estão matriculadas nas escolas. Para o pesquisador Naércio Menezes, a análise serve de alerta para o governo para reduzir os efeitos negativos da pandemia na educação infantil. “A oferta de uma educação infantil de qualidade se torna um critério urgente, em especial, para as crianças vivendo em situação de maior vulnerabilidade. Trata-se de uma política pública com grande potencial de gerar maior igualdade nos sistemas educacionais e reduzir diferenças entre os grupos sociais”, avalia.

No Centro de Educação da Primeira Infância Curió de Santa Maria (Cepi), a pandemia foi recebida com um misto de receio e medo, de acordo com a ex-gestora daquela unidade, Janice de Araújo, recém-empossada na direção do Centro de Educação da Primeira Infância Flamboyant (Cepi).

Ela ressalta que mesmo com todas as ações intermediadas pela Secretaria de Estado da Educação do DF (SEE) durante a adoção do ensino remoto, em algumas ocasiões teve que amparar professores chorosos por não conseguirem alcançar as crianças do outro lado da telinha. “Foi tudo muito novo. Eles tiveram que se adaptar muito rápido. Nem todos têm familiaridade com as câmeras”, disse. “Com música e danças, a interação ocorreria mais rápido durante a familiarização com a modalidade remota”, destaca a gestora.

Desemprego e desigualdade

O estudo indicou que, em 2021, 11% das crianças de zero a seis anos (2,3 milhões) viviam em situação de extrema pobreza. Além do baixo crescimento econômico dos últimos dez anos, a vulnerabilidade financeira das famílias também foi agravada pela recessão decorrente da pandemia. Devido à implementação do auxílio emergencial, os índices tiveram uma breve queda em 2021, mas naquele ano as taxas registraram queda, com os índices marcando 9,5%, o mesmo de 2005.

Para Menezes, o programa Bolsa Família — iniciativa governamental que visa a quebrar o ciclo geracional da pobreza —, é peça chave para reduzir a desigualdade social, tendo em vista que, em 2021, a variação na taxa de pobreza extrema entre as regiões Nordeste e Sul se ampliaram e a pobreza chegou perto de 20% no Nordeste.

“Os grupos e regiões mais vulneráveis estão sofrendo cada vez mais com o desemprego, a inatividade e a pobreza. Isso poderá afetar negativamente o desenvolvimento das crianças nestes grupos e regiões se nenhuma política pública for desenvolvida”, comenta o coordenador do estudo.

Mortalidade e insegurança alimentar

As políticas públicas de atenção à saúde na primeira infância também foram analisadas na pesquisa Impactos da Desigualdade na Primeira Infância. A saída de profissionais do programa Mais Médicos de municípios sem a devida substituição por outros profissionais de saúde esteve associada a um aumento de até 58% na mortalidade de crianças menores de cinco anos, entre 2018 e 2019. Os dados mostram, ainda, que a mortalidade de crianças menores de um ano tem estreita relação com fatores sociais e econômicos, como escolaridade materna e riqueza.

Ao analisar o baixo desempenho social da primeira infância, Menezes observa que as crianças que enfrentam as adversidades de hoje, ao se tornarem adultas deixarão de contribuir produtivamente para a sociedade como um todo e possivelmente gerarão custos adicionais aos cofres públicos, principalmente em saúde e segurança. “Quanto antes forem feitos os investimentos na primeira infância, maior será o retorno a longo prazo”, conclui.