PI: As crianças invisíveis dos lava jatos de Teresina

Veículo: Portal AZ - BR
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Em Teresina, às margens de um dos principais rios que cortam o Nordeste – o Rio Parnaíba – se estende uma faixa de cerca de 4km da Avenida Maranhão em que se organizam improvisados lava jatos. Ali, a céu aberto, dividindo o espaço com o movimentado trânsito da capital, trabalhadores fazem a lavagem de veículos por preços módicos. Eles somam centenas e, entre eles, ao olhar desatento dos transeuntes, explora-se o trabalho infantil.

Samuel da Silva tem 14 anos e desde os 12 trabalha como lavador de veículos neste local. Quando o sol desponta, o garoto já está preparado para mais um dia de trabalho e, com esponja, sabão, material para polir os carros e uma bomba para sucção da água do rio, ele aguarda os clientes. “Com o que ganho, ajudo a minha mãe a comprar as coisas. É pouco, mas eu sei que ela precisa. ”, conta.

O garoto afirma que o seu trabalho tem a aprovação dos pais: “Eles dizem que aqui me tira do caminho do mal, que muitos da minha idade já estão roubando.” Mais à frente, Denilson Rodrigues, de 15 anos, realiza a mesma atividade. Tudo o que ele ganha em seu labor tem de ser rateado com o seu empregador, dono do lava jato. “Um carro pequeno lavo por R$ 20,00 e ganho R$10,00. ”, afirma.

No Brasil, no entanto, o trabalho de Denilson e Samuel é proibido por lei e considerado como uma das piores formas de trabalho infantil (Lista TIP), conforme o Decreto nº 6.481/2008. A norma considera que a atividade nos lava jatos pode expor crianças e adolescentes a riscos químicos em razão do manejo de produtos específicos, podendo acarretar complicações de saúde como dermatoses e transtornos psicológicos.

O Piauí continua a carregar a marca de ser o estado com maior índice de trabalho infantil. O dado é da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referente ao ano de 2015. No estado são 128 mil crianças e adolescentes entre 7 e 17 anos envolvidas em algum tipo de trabalho. Apenas na capital, o registro é de cerca de 3 mil pessoas trabalhando nessa faixa etária.

Segundo Estatística do 4 º Conselho Tutelar de Teresina, em 2016 foram registradas 461 denúncias contra violações de direitos de crianças e adolescentes, sendo apenas 5 contra trabalho infantil. Para Djan Moreira, conselheiro tutelar de Teresina, a quantidade é pequena porque esse trabalho não “choca” a população: “O IBGE diz que Teresina tem muito trabalho infantil, a sociedade vê, mas não denuncia porque ela é conivente. Essa palavra é pesada, dói, machuca, mas não consigo encontrar outra que a substitua. ”

O trabalho braçal realizado no lava jato é considerado prejudicial à saúde para os garotos que, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA, são considerados pessoas em desenvolvimento. É o que explica Franciana Baleense, coordenadora do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) de Teresina e assistente social: “O trabalho infantil traz inúmeros malefícios físicos, psicológicos e emocionais. O corpo da criança, por exemplo, não está preparando para pegar peso, para assumir a responsabilidade que o adulto tem.”

A assistente social ainda explica que o trabalho compromete o aproveitamento escolar dos jovens: “Quando trabalha, a criança vai para a escola cansada, o que prejudica seu rendimento, podendo, ainda, perder o vínculo com a escola e não se qualificar para o mercado de trabalho. A criança precisa estudar, brincar, se desenvolver. Toda brincadeira tem como pano de fundo uma aprendizagem. ”, fala, acrescentando que o problema contribui para perpetuação do ciclo de pobreza.

O médico da rede pública de saúde de Teresina, Moisés da Silva Oliveira, reforça os malefícios do trabalho infantil: “O trabalho infantil pode trazer prejuízos físicos, sendo mais vulnerável a acidentes de trabalho, e também danos psicológicos, pois a criança perde toda a fase da infância, mudando toda a sua percepção do mundo, das relações interpressoais e familiares. As consequências irão se manifestar na fase adulta, podendo ocorrer distúrbios de comportamento. ”, conta.

Entenda a legislação sobre o trabalho infantil no país

No Brasil, é proibido o trabalho de menores de 18 anos de idade que apresente quaisquer riscos à sua saúde, segurança e moral, além do trabalho noturno. A legislação ainda proíbe qualquer trabalho ao menor de 16 anos, excetuadas as atividades na condição de aprendiz, que são permitidas a partir dos 14 anos de idade.

A juíza do trabalho do Tribunal Regional do Trabalho – TRT Piauí, Elisabeth Rodrigues, explica que o empregador que explora o trabalho infantil está sujeito às sanções civis, trabalhistas, previdenciárias e criminais: “No âmbito civil, o empregador poderá ser condenado a pagar indenizações pelos danos morais e materiais causados ao menor explorado. Além disso, a questão não deve se limitar ao âmbito individual, podendo o Ministério Público do Trabalho buscar o ressarcimento dos danos aos direitos coletivos e difusos decorrentes da exploração do trabalho de crianças e adolescentes. ”

Elisabeth ainda acrescenta que, após verificada a irregularidade, a consequência é a extinção da relação de trabalho, sendo o empregador obrigado a pagar as devidas verbas trabalhistas, além de reconhecer o vínculo, com a finalidade de assegurar os direitos previdenciários do menor.

O empregador que explorar trabalho infantil pode ainda sofrer sanções criminais: “A exploração do trabalho infantil pode configurar o crime previsto no art. 132 do Código Penal ("Expor a vida ou a saúde de alguém a perigo direto e iminente"), ao qual corresponde a pena de detenção de 3 meses a 1 ano.Todas essas sanções tem como fundamento maior o princípio da proteção integral à criança e ao adolescente, contido no art. 227 da Constituição Federal e no Estatuto da Criança e Adolescente.”, conclui.

Como a população pode denunciar o trabalho infantil

O trabalho infantil nem sempre é evidente ao Poder Público, como nos casos de trabalho doméstico. A população pode contribuir denunciando casos de exploração de crianças e adolescentes, através da comunicação às seguintes entidades:

Telefone
-Disque 100
Na internet
-Ministério Público do Trabalho recebe denúncias online no seu site.
– Nas redes sociais, os internautas podem participar da Campanha #Chegadetrabalhoinfantil.

Pessoalmente
– Conselho Tutelar
-Ministério Público do Trabalho
-Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente
-Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS)
-Centro de Referência da Assistência Social (CRAS)