Pobreza multidimensional: pandemia eleva taxas de analfabetismo em crianças no Brasil
A pandemia de covid-19 deixou marcas profundas no Brasil, especialmente entre crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade.
Dados do estudo Pobreza Multidimensional na Infância e Adolescência no Brasil – 2017 a 2023, lançado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) nesta quinta-feira (16), revelam um cenário alarmante: 30% das crianças entre 7 e 8 anos não estavam alfabetizadas em 2023, mais que o dobro do percentual registrado em 2019 (14%).
Essa piora expressiva demonstra o impacto da interrupção das aulas presenciais e das desigualdades sociais que se agravaram no período.
O relatório aponta que crianças mais jovens, que deveriam estar consolidando as bases da alfabetização entre 2020 e 2022, enfrentaram dificuldades ainda maiores devido à falta de acesso a ferramentas digitais e suporte pedagógico em casa.
A crise educacional é parte de um quadro mais amplo de pobreza multidimensional, que afeta cerca de 55,9% das crianças e adolescentes brasileiros, segundo o estudo.
Impacto do analfabetismo na pobreza multidimensional
A privação educacional é um reflexo direto e também uma causa de outras privações. O relatório do UNICEF identifica sete dimensões de pobreza multidimensional – renda, educação, informação, proteção contra o trabalho infantil, água, saneamento e moradia –, todas interligadas.
Em 2023, enquanto houve avanços em áreas como renda e acesso à informação, a educação apresentou o pior desempenho, destacando o atraso escolar e o analfabetismo como graves desafios.
“A renda não resolve todo o problema da vulnerabilidade da família, como o acesso à moradia, por exemplo. Não podemos esperar que uma criança aprenda bem se não tem uma moradia adequada”, explica Liliana Chopitea, chefe do políticas sociais do UNICEF no Brasil.
“Mesmo se você tem regularizado e facilitado o acesso à educação, é impossível que uma criança que não está bem alimentada aprenda”, exemplifica.
Algumas das outras dimensões que podem impactar o processo de aprendizagem, mesmo que as crianças estejam devidamente matriculadas, apresentam-se da seguinte forma:
- Moradia inadequada, como residências superlotadas ou sem acesso à água potável, dificulta a criação de um ambiente de estudo adequado;
- Insegurança alimentar, que afetava 37,9% das crianças em 2023, compromete o desempenho cognitivo e a atenção em sala de aula;
- Famílias com baixa renda frequentemente priorizam a sobrevivência imediata, o que pode levar à descontinuidade nos estudos ou ao envolvimento precoce das crianças em atividades econômicas.
Desigualdades regionais e raciais
O impacto do analfabetismo e do atraso escolar é desigual no Brasil. Crianças negras e de áreas rurais são as mais atingidas, conforme os dados:
- Em áreas rurais, 95,3% das crianças e adolescentes enfrentam algum tipo de privação, sendo a falta de infraestrutura escolar e de transporte dois grandes obstáculos;
- Crianças negras apresentam índices mais altos de analfabetismo (30% em 2023) em relação às crianças brancas (12,3%), evidenciando uma desigualdade racial histórica que se agravou durante a pandemia;
- Além disso, os estados do Norte e Nordeste concentram os maiores índices de privação multidimensional. Por exemplo, no Maranhão e no Pará, mais de 80% das crianças vivem sem acesso pleno aos seus direitos básicos.
Políticas públicas
O relatório destaca que a expansão do Bolsa Família foi crucial para reduzir a privação de renda, beneficiando cerca de 4 milhões de crianças e adolescentes em 2023.
Contudo, os avanços no campo econômico não se traduziram em melhorias significativas na educação. Políticas de transferência de renda, embora essenciais, precisam ser acompanhadas por investimentos robustos na educação e em outras áreas essenciais para o desenvolvimento das crianças e adolescentes.
“Todos os direitos estão inter-relacionados. As políticas públicas precisam ter um olhar intersetorial para garantir todos os direitos de maneira conjunta”, completa Liliana.
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