Prédio no Sudoeste vai na contramão da proibição e incentiva brincadeiras
Nesta última semana, veio à tona a proibição de brincadeiras infantis nos pilotis de vários prédios de Brasília. Em uma quadra do Sudoeste, porém, a história é bem diferente. No Bloco A da 304, além da eleição para síndico, há votação para escolher o síndico mirim. O escolhido leva ao gestor do condomínio as demandas das crianças. E os pedidos, na medida do possível, são atendidos. Uma mesa de pingue- pongue e uma cama elástica pequena foram compradas, o parquinho de areia passou por reforma e ainda será construído um campinho de futebol. Quem visita o bloco durante a tarde pode ouvir o som da garotada se divertindo longe de celulares e videogames, recursos tão conhecidos e usados por essa geração.
A decisão de criar o cargo, mesmo que simbólico, de síndico-mirim foi da síndica do bloco, Giselda Maria Pedrosa Liberal, 70 anos. Antes da gestão dela, que começou em 2015, as crianças não tinham permissão (e liberdade) para ocupar os pilotis — ordem que não estava escrita e documentada no regimento interno do bloco, mas era seguida informalmente. Ela resolveu, então, dar voz aos cerca de 25 pequenos que moram no prédio. “A presença das crianças revigora a alma. Elas precisam curtir a infância, e cabe aos adultos proporcionar isso. É uma prioridade para mim”, comenta Giselda, avó de 11 netos. Em datas comemorativas, como Dia das Crianças e Natal, ela organiza eventos para reunir os moradores do condomínio. O próximo encontro marcado será o carnaval, com música, fantasia e muita serpentina para agitar o feriado da meninada.
Candidato mirim eleito, José Jeovah, 11 anos, é estudante do 6º ano e divide as obrigações escolares com o compromisso estabelecido com o condomínio. Ele foi o escolhido após Giselda anunciar, em assembleia, que abriria espaço para uma criança gerir o prédio ao lado dela. Sem pestanejar, José se prontificou a representar os colegas. “Eu queria ajudar nas melhorias que a síndica tinha proposto para o prédio e melhorar a qualidade de vida das crianças daqui”, diz. Após a eleição, ele se reuniu com as outras crianças para saber o que podia ser feito. O novo síndico e seus ajudantes escreveram uma carta a Giselda com algumas demandas, como a reforma do parquinho de areia, a compra de uma mesa de tênis de mesa e um pula-pula para os menores.
“Imediatamente depois que ela assumiu (como síndica), a gente passou a descer para brincar de pique-pega e esconde-esconde. A gente está muito mais unido. Eu conheci muitos amigos descendo para debaixo do bloco”, comemora. De acordo com o garoto, os pais apoiaram sua decisão e, inclusive, gostam que se envolva com o condomínio. A única exigência deles — e de Giselda — era que José melhorasse o boletim. “Não queriam que eu começasse a piorar na escola. E minha notas não estavam tão boas também”, explica, meio envergonhado.
Ao lado de José, Bruno Malveira, 11, é o subsíndico mirim do bloco. Quando soube que o amigo se candidataria, imediatamente pediu para acompanhá-lo. Eles se dividem na rotina de verificar o bom andamento do condomínio e a preservação das novas aquisições. “Às vezes, quando José está estudando, eu desço para conferir se a porta do salão de festas está destrancada, se as torneiras estão bem fechadas e se as outras crianças estão fazendo só o que é permitido debaixo do prédio”, diz, orgulhoso. As únicas proibições em relação aos pilotis são jogar bola alto, como queimada, futebol e vôlei, e usar tinta no chão sem um papel ou proteção — medida para evitar que manche o piso.
Organização e cuidado
As outras crianças do condomínio comemoram a nova fase. Rafael Guimarães, 13 anos, mora no bloco desde que nasceu e lembra das tardes procurando um lugar disponível e seguro na quadra para brincar: “Antes, não podíamos fazer nada. A gente brincava sempre na quadra de esportes, mas ela fica muito cheia, com pessoas mais velhas jogando basquete.” Apesar de não estar na administração do prédio, o menino se encarrega de cuidar e fiscalizar o uso dos brinquedos. “Sou muito zeloso, porque foi muito difícil conseguir, então a gente tem que valorizar. A mesa de pingue-pongue é meu xodó. Se eu vejo alguém jogando a raquete nela, chamo a atenção, porque pode estragar”, observa. O pai dele, Márcio Guimarães, 47, celebra o novo momento do edifício: “O esporte fez eu me aproximar do meu filho e criar laços de amizade com outros moradores”.
A matemática e contadora Daniela Amaral, 39, mora no local há três anos. Ela não acompanhou a gestão do síndico passado, porque a filha ainda era recém-nascida. No entanto, atualmente, a condômina usufrui do novo legado e diz “perceber o acolhimento” proposto por Giselda. “Essa atitude dela não beneficiou apenas as crianças. Os brasilienses têm a fama de ser muito isolados, então isso aproximou as famílias”, afirma. Ela celebra ainda a segurança que a ocupação dos pilotis dá aos pequenos. “Como sempre tem morador e estão na frente do porteiro, eu posso ficar mais tranquila.”
Paraibana, Giselda chegou a Brasília há mais de 40 anos. Mudou-se para o Bloco A em 1996, para criar um lar. O Sudoeste ainda estava em construção. Por acompanhar o crescimento do bairro, ela ganhou um carinho especial pelo local, motivo pelo qual também faz questão de cuidar tão bem de onde mora e de quem vive ao seu lado: “Eu administro o condomínio como se fosse minha vida. Não tinha experiência, foi a primeira vez que tive uma função dessa. Eu me inscrevi em cursos e feiras de administração de condomínio. Esse é o nosso patrimônio”.
Além do condomínio, Giselda, que é servidora federal aposentada, mantém uma loja de ferragens. Apesar de gostar da rotina atribulada, não pretende se candidatar novamente à função, cuja gestão termina em 1º de abril. A paraibana espera que o próximo escolhido siga sua caminhada e mantenha a inclusão das crianças nas demandas do condomínio. Giselda só tem um desejo: “Aproveitar a vida enquanto estou lúcida, viajar muito e curtir minha família”.
Entenda o caso
Proibições polêmicas
O primeiro caso de proibição divulgado pelos moradores de Brasília ocorreu no Bloco H da 312 Sul, na quinta-feira (26/1). Condôminos do prédio desabafaram no Facebook sobre a situação e receberam apoio dos internautas e de outros brasilienses, que se revoltaram com a atitude da síndica do edifício. Na sexta-feira (27/1), foi a vez de os moradores do Bloco K da Quadra 102 do Sudoeste reclamarem também de proibições das brincadeiras embaixo do prédio. No último domingo, pais e filhos de várias partes do DF foram aos pilotis do Bloco H da 312 Sul brincar. O protesto teve direito a bolinhas de sabão, oficina de peteca, jogos de carta e palhaços.