Às vésperas do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (18 de maio), o Brasil lida com o desafio crescente de coibir essas práticas no ambiente digital. No ano passado, a Safernet recebeu 71.867 novas denúncias de imagens relacionadas a esses crimes, um aumento de 77,13% em relação a 2022 e um recorde nos 18 anos de funcionamento da Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos.
Engajada na campanha nacional do Maio Laranja, realizada pelo segundo ano consecutivo no País, a ChildFund Brasil adiciona os aspectos comportamentais à análise do disparo nos registros. “O primeiro é a conscientização do problema. As organizações da sociedade civil têm falado mais sobre a importância de estar alerta. O segundo é que cada vez [mais] as crianças estão expostas à internet mais cedo”, declara a coordenadora de Advocacy da entidade, Águeda Barreto.
Controle das redes
Não fosse o controle do Instagram estar com Regina Rosa Almeida, sua filha teria sido vítima de um pedófilo. Produtora de conteúdo digital desde os 4 anos, Alice Rosa Almeida tinha 7 quando um suposto menino pediu para fazer uma chamada de vídeo. Quando Regina aceitou, se deparou com um homem nu, se masturbando. Ela acha que devia ter denunciado, mas não conseguiu, pois assim que o marido viu, pegou o telefone e disse uma série de desaforos ao abusador.
Agora, a mãe compartilha o acesso à rede com a menina, atualmente com 12 anos, e segue monitorando todas as interações, além de proibir que Alice responda mensagens diretas (direct) sem a aprovação prévia dela. “A gente tem que ter confiança, né? Enquanto ela não quebra a confiança, ela tem direito a ter o Instagram dela. No momento que ela quebra, não tem mais”.
Mãe de dois filhos – uma menina de 11 anos e um menino de 8 –, a analista de sistemas Adriana Casqueiro Galassi conta que antes de dar liberdade de acesso às crianças em qualquer plataforma, no celular ou tablet, conversou muito com eles. “Sempre existe um diálogo constante, um alerta dos perigos que isso pode trazer”, completa. Beatriz tem uma conta no TikTok, e Adriana limita o conteúdo postado pela filha, exatamente para prevenir interações abusivas.
Tanto a menina quanto o irmão, Gustavo, têm Whats App e utilizam plataformas de jogos, sob monitoramento frequente da mãe, e o acordo de não aceitarem contatos de desconhecidos nestes canais. Beatriz já se deparou com uma situação suspeita no jogo Roblox, quando uma pessoa, supostamente uma garota, pediu o telefone dela. A resposta foi “não posso conversar com estranhos” e o ocorrido foi imediatamente comunicado a Adriana.
Proteção coletiva
Águeda Barreto enfatiza que a proteção do público infantojuvenil é uma responsabilidade coletiva, conforme previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), incluindo as famílias, mas também o Estado, as escolas e toda a sociedade civil. “Hoje existem ferramentas tecnológicas para essa supervisão, aplicativos de controle parental em que é possível monitorar o uso da internet, os downloads e os aplicativos que usam mais”, explica.
A ChildFund Brasil está acompanhando a implementação da Política de Educação Digital e observa uma lacuna em relação à prevenção da violência nesse ambiente, principalmente da violência sexual, o que a entidade tem buscado preencher. Um dos meios é realizar parcerias com organizações governamentais para o desenvolvimento de projetos, a exemplo da plataforma EAD Escola de Proteção Digital de Crianças e Adolescentes.
Uma dica de Bianca Orrico, da Safernet, para auxiliar na preservação das crianças e adolescentes no ambiente digital é o uso da plataforma Take it Down (takeitdown.org), criada pela empresa Meta – gestora do Threads, Instagram e Facebook. Ao enviar imagens que exponham a intimidade de crianças e adolescentes, a ferramenta cria uma espécie de impressão digital para garantir a moderação desse material, impedindo a publicação nas redes associadas.
Projetos de Lei buscam preencher lacunas
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é claro ao tipificar como crime a produção, divulgação, exposição e comercialização de fotos e vídeos com cena de sexo explícito envolvendo crianças e adolescentes. No entanto, a necessidade de modernizar a legislação voltada à proteção do público infantojuvenil nos meios digitais é consenso entre entidades de defesa e tem mobilizado alguns políticos.
Um desafio evidente está nas imagens produzidas por inteligência artificial (IA), tema apontado por Bianca Orrico, da equipe de Disciplina de Cidadania Digital da Safernet, como alvo de debates em busca da melhor estratégia para “garantir a integridade das pessoas, das suas imagens, dos seus direitos e dos dados sensíveis dessas pessoas para de alguma forma cessar esse tipo de violência”.
O Projeto de Lei 5694/23, do deputado Fred Linhares (Republicanos/DF), criminaliza a manipulação e adulteração de material audiovisual por IA, “com o intuito de causar constrangimento, humilhação, assédio, ameaça ou qualquer outro tipo de violência contra crianças ou adolescentes”. O PL foi apresentado à Câmara dos Deputados em novembro do ano passado, e o relator foi designado há dois meses.
A proteção do público infantojuvenil na internet também é o objetivo central do PL 3443/23, de autoria da deputada baiana Lídice da Mata (PSB-BA). A proposta é realizar mudanças no ECA para incluir a exigência de autorização para crianças participarem de gravações online.
“É crucial que as leis acompanhem o avanço tecnológico e as mudanças na forma como as pessoas consomem conteúdo, garantindo a segurança e o bem-estar dos jovens que estão expostos a essas plataformas digitais”, defende Lídice.