Reforma do ensino médio esbarra em falta de estrutura e recursos
Depois de sancionada, a reforma do ensino médio passará agora por uma série de entraves e desafios para ser implementada, de fato, pelos Estados brasileiros. Enquanto a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) não é aprovada – peça-chave para que as mudanças comecem –, secretários já se reúnem nos Estados para pensar em como implementar a transformação em suas redes, especialmente nas mais desiguais, com muitas cidades pequenas, poucas escolas e recursos e grande concentração de alunos.
Gestores ouvidos pelo Estado nas últimas duas semanas já cogitam soluções alternativas (leia aqui o que dizem os secretários de seis Estados). Para mapear as dificuldades a reportagem solicitou um amplo levantamento de dados ao Movimento Todos Pela Educação (MPE), com base no Censo Escolar de 2016, e ouviu especialistas dos setores privado e público, secretários, professores e alunos. A maioria (53%) dos municípios têm uma só escola que oferece o ensino médio regular ou educação profissionalizante. São 2.967 cidades nessa situação, dos 5.570 municípios brasileiros. Se consideradas apenas escolas com ensino médio regular, são 3.063, ou 55% total dos municípios do País.
Nesses casos, a oferta de uma das principais mudanças da reforma, os itinerários formativos, ou seja, a parte flexível do currículo com possibilidade de escolha do aluno, pode ter mais dificuldades de implementação. O novo texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), como sancionado pelo presidente Michel Temer em fevereiro, não traz obrigações às redes como um todo. O que o Ministério da Educação (MEC) diz é que haverá obrigação de os colégios terem uma opção.
Nesse cenário, se cada escola se especializar somente em um itinerário (Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas ou formação técnica e profissional), só 872 municípios (15,7%) teriam possibilidade de ofertar todas as opções aos seus alunos.
Outra mudança proposta, a expansão da carga horária das atuais 800 horas anuais (4 horas diárias) para 1 mil(5 horas diárias) em um prazo máximo de 5 anos, a contar de março deste ano, demandará flexibilidade de turmas e espaço físico. Isso porque o turno triplo – quando o colégio precisa oferecer três períodos de aulas, por causa da demanda dos alunos – está presente em 41,9% das escolas do País. O novo texto da LDB também não oferece soluções para o ensino noturno, que hoje já tem carga horária reduzida.
Por fim, o TPE aponta ainda a necessidade de garantir a formação dos professores na área em que atuam para que sejam capazes de garantir um aprofundamento real de conhecimentos nos itinerários. Mas só em 54,9% das cidades brasileiras estes docentes se formaram na mesma disciplina que dão aula.
Inviável. Para nenhuma dessas dúvidas há ainda um diagnóstico específico do Ministério da Educação, que aposta em programas já existentes para auxiliar Estados e municípios. A presidente executiva do TPE, Priscila Cruz, diz que esses entraves podem até inviabilizar a implementação da reforma. “Foi muito bem debatida, os problemas foram discutidos. O que faltou foi um diagnóstico”, diz. (leia aqui entrevista com o ministro Mendonça Filho)
Além da aprovação da BNCC, ela destaca que eventuais mudanças no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) terão papel fundamental na forma como os Estados vão reformar suas grades. “Se o Enem focar na base nacional, pode ser que as escolas deixem todo o conteúdo obrigatório para os últimos anos. Se houver cobrança da parte flexível, pode ficar mais distribuído”, diz.