Rodovias Federais e Estaduais: caminhos do silêncio sobre a exploração sexual infantil

A Polícia Rodoviária Federal (PRF), em parceria com a Childhood Brasil, mapeou os Pontos Vulneráveis à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes nas rodovias federais brasileiras. O objetivo da pesquisa é auxiliar as políticas públicas de proteção à infância e adolescência.

Segundo a pesquisa que ocorreu entre 2019 e 2020, o Brasil possui 3.659 pontos vulneráveis à exploração sexual em rodovias. Só no Paraná foram identificados 388 locais considerados de risco, tornando o estado com maior número de locais propensos à exploração sexual de crianças e adolescentes em trechos de rodovias federais. O estado é líder no ranking, seguido por Minas Gerais e Bahia.

São considerados pontos de risco, comércios que sejam locais de estacionamento de caminhões e carros de viagem, com pouca iluminação, presença de atividades de prostituição, presença e circulação de crianças, presença de câmeras entre outros.

Os pontos vulneráveis mapeados pela pesquisa nem sempre são pontos efetivos de exploração infantil. “Os locais são mapeados, justamente para serem monitorados. Conhecemos o perfil dos exploradores e das cadeias de exploração, fazemos esse diagnóstico para prevenir um possível cenário de crime” explica o policial rodoviário federal Emerson Dias.

A comerciante Rosa Costa de Oliveira , gerente da churrascaria Nova Querência na BR-166 ficou feliz em participar da pesquisa. “ É comum ver homens entrando aqui para almoçar ou jantar com meninas de no máximo 12 ou 13 anos, mas como eles só estão jantando não é crime não é? Nunca tivemos uma orientação do poder público sobre o que fazer sobre isso”. Relata Rosa.

Pietra Liege, caminhoneira há 22 anos e ex-comerciante de estrada explica que as rodovias e caminhões não são só caminhos e meios para desenvolvimento. “ As BRs de todo o país, pra quem é muito pobre podem ser caminhos sem volta, aqui tem muito tráfico e ilegalidades de todos os tipos 24 horas por dia” afirma a caminhoneira.

Pietra junto a outras caminhoneiras e esposas de caminhoneiros foram a ONG Estradas do Bem, que tem o objetivo de denunciar a exploração de mulheres e meninas das rodovias e denunciar o aliciamento de crianças e adolescentes ao tráfico. “ As rodovias estão longe dos holofotes e se tornam o lugar perfeito para crimes. O foco das operações do Estado aqui é quase sempre trânsito, mas há muito mais riscos para as pessoas do que acidentes nas estradas” afirma Pietra.

Lurdes Assis, membro da ONG, conta que em muitas viagens com seu marido presenciou cenas de exploração “ são crianças muito pobres mesmo, que aceitam essa situação em troca de comida ou estão em trabalho que paga muito mal e assim é um jeito mais rápido de sobreviver.”

As cenas vistas por Lurdes são compartilhadas com outras mulheres que têm suas rotinas atravessadas por rodovias. “ Não precisa ser caminhoneira ou passageira de caminhão para conhecer essa realidade, as pessoas que moram perto de BRs sabem do que acontece, os comerciantes também” afirma Lurdes.

A parceria com o poder público para encaminhar as vítimas de exploração e conscientizar a população são os principais objetivos da ONG. “Crianças querem brincar e não estar nas estradas, a culpa é de quem paga por isso, não da criança. A sociedade precisa entender que ao ver uma criança em situação de vulnerabilidade tem que denunciar para não se aproveitar dela”, afirma Rosa.

De acordo com Rosa, falar sobre exploração sexual infantil causa desconforto e medo na sociedade e o desconhecimento dos canais de denúncia e o pré-julgamento sobre as vítimas são as principais barreiras. “ Todo mundo acha monstruoso em falar sobre sexo com uma criança mas quando acontece culpam as crianças… Outro problema é que as pessoas não sabem sobre o disque 100 e sobre como ajudar e acham que se interferirem na situação elas se tornarão responsáveis  por “salvar” as crianças meninas e meninos.” relata Rosa.

Um dos casos que mais chamou sua atenção foi a de uma menina  de 14 anos que trabalhava em um posto de gasolina a dois anos. Órfã de mãe e pai e com um tio dependente químico acabou nas ruas para fugir da violência.

“ Todo mundo sabia de todos problemas que ela passava, mas ninguém sequer denunciou pro conselho tutelar. O pai era traficante e foi morto por dívidas e a mãe se suicidou pouco depois, ela acabou na casa de um tio muito violento. E as pessoas diziam que ela tinha problemas demais e que se eu me envolvesse ia ganhar uma filha para cuidar já que ela não tinha ninguém.” relata Rosa

Depois da denúncia para o conselho tutelar da cidade, a vítima foi para uma casa de acolhimento de adolescentes e hoje não está mais nas ruas. “ Os crimes sexuais contra crianças e adolescentes são tão repugnantes que ninguém quer falar sobre mas convivem o tempo inteiro com situações que levam a criança a exploração e desconhecimento sobre o que e quem vai ser responsável por essa vida causa medo. A sociedade precisa entender que todos nós somos responsáveis pela vida de crianças e adolescentes”.

Para denunciar situações de violência e exploração infantil disque 100, a denúncia é anônima.