Sem a merenda escolar, alimentar crianças em férias preocupa milhões de famílias
As férias de julho agravaram um problema de milhões de famílias que têm filhos matriculados em escolas públicas, porque agora eles vão fazer as refeições em casa.
O saco de arroz, o leite em pós, os dois pacotes de feijão e o óleo vão dar um fôlego para Regiane Aparecida de Souza nos próximos dias. Mas uma cesta como essa, que ela pegou em um centro de doações, não dura muito em uma casa com dois adultos e quatro filhos. Ainda bem que na creche as crianças têm cinco refeições por dia.
O cardápio fica na porta; tudo balanceado. “Arroz, feijão, lombo cozido, beterraba cozida e laranja”, lê a auxiliar de limpeza desempregada. Só que, na semana que vem, as férias começam e muitas crianças, sem poder contar com as refeições na escola, vão ter que comer em casa.
“A gente não está tendo muita condição de comprar, porque eu estou desempregada e meu marido também. O que mais falta é arroz, feijão, óleo, sabão em pó, açúcar e o leite. É o que mais gasta em casa. E a fralda”, conta.
Na Brasilândia, bairro onde Regiane mora, muitos outros pais enfrentam o mesmo problema. Os filhos vão sair de férias e vão ficar em casa em uma época de grana curta, dispensa quase vazia e que, em algumas situações, chega a faltar o que comer.
No país, em pouco mais de um ano, a fome dobrou entre as famílias com crianças menores de 10 anos: passou de 9,4 % em 2020 para 18% em 2022. Os números são de um inquérito nacional sobre insegurança alimentar.
O Painel da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos mostra que o número de denúncias sobre falta de comida para crianças e adolescentes no primeiro semestre deste ano já é maior que o de 2021 todo.
Stephanie Amaral, do Unicef, alerta que a fome nessa idade pode comprometer o desenvolvimento de toda uma geração.
“Isso pode ser muito observado, inclusive em dificuldades de aprendizagem que podem interferir no estudo daquela criança ao longo da vida, na sua produtividade e capacidade de sair do ciclo da pobreza. Como também pode levar a uma predisposição a doenças crônicas não transmissíveis, por exemplo. A escola tem um papel fundamental na promoção da segurança alimentar de crianças e adolescentes”, afirma.
Em Paraisópolis, a segunda maior comunidade de São Paulo, os organizadores de um projeto de reforço escolar viram que, para melhorar o desempenho, as crianças precisavam de aulas e de comida no horário livre.
As crianças podem levar mais de uma quentinha para casa. “Eu dou para minha mãe, para o meu tio e para minha irmã”, conta um terceiro.
Mais de 100 crianças estão na fila de espera do projeto. A cozinha, que hoje produz 500 marmitas, poderia fazer dez vezes mais se tivesse mais alimentos.
A comida é feita por cozinheiras da comunidade com alimentos doados, e a distribuição vai continuar durante as férias.
“A fila vai estar muito maior, porque essas crianças que não vão estar na escola vão vir para cá. A gente atende a 200 crianças com esse foco, de combater a má nutrição infantil, de fortalecer elas e que elas possam ter imunidade suficiente para se concentrar na escola, para ser concentrar nas suas atividades, e não ficar pensando no que vai comer e não tem”, ressalta Juliana da Costa Gomes.
A rede municipal de São Paulo tem um milhão de alunos matriculados. A Prefeitura declarou que deve fornecer refeições a 13 mil alunos durante o recesso escolar e distribuir 407 mil cestas básicas para famílias de estudantes em situação de vulnerabilidade.
O governo do estado afirmou que está avaliando como atender, durante as férias, os alunos vulneráveis.
O Ministério da Educação não respondeu.