Sobe, aos poucos, o número de crianças e adolescentes pretos adotados no Brasil
Pretos adotados no Brasil: aumento é fruto de avanços na sociedade e da preparação dos pretendentes, segundo juízes
No dia em que celebrou o aniversário de 35 anos, a psicóloga Marília Alves Facco, 43, foi convidada pelos funcionários da Vara da Infância e Juventude do Fórum da Lapa, na zona oeste de São Paulo, para conhecer os irmãos gêmeos Laura e Lucas, na época com quase dois anos e na fila da adoção.
Ela e o marido, Emerson Paes Barros, 50, estão juntos há 24 anos e, desde o início da relação, planejavam a adoção.
“Eu começo a viver meu aniversário pelo menos um mês antes, o telefone tocou no dia 23 [de setembro] para dizer que havia duas crianças [à disposição da adoção], um menino e uma menina. Eu fiquei tão emocionada que desliguei sem entender as instruções de onde ir, quais documentos levar”, conta ela.
O casal concluiu o procedimento de habilitação à adoção e, em nenhum momento, fez acepção de cor da pele.
No começo do processo, Marília planejava receber uma só criança e na faixa de um ano. Mas mudou de ideia após frequentar grupos de apoio, conduzidos por voluntários, e os cursos preparatórios organizados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
Os gêmeos Laura e Lucas, ambos com nove anos, são pretos. No Brasil, um menor de idade preto reencontra uma família a cada quatro brancos adotados.
E o percentual de crianças e adolescentes pretos adotados vem subindo desde 2019, quando teve início a contagem pelo SNA (Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento) do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
No primeiro ano da série, dos 759 menores de idade encaminhados à adoção, 6% (44) eram pretos, enquanto pardos e brancos representavam, respectivamente, 31% (239) e 28% (212).
Em 2022, de 1.012 menores adotados, 10% eram pretos (106).
Neste ano, de janeiro até o dia 13 de novembro, foram adotados 698 menores e, destes, 13,2% (92) eram pretos.
Ao se inscreverem como pretendentes, homens e mulheres podem filtrar por faixa etária e etnia. Estudiosos do tema apontam que, ultimamente, a rejeição pela cor de pele vem sendo dissipada.
“A preferência marcada por crianças brancas ainda decorre do racismo estrutural. Mas hoje essas preferências não são mais barreiras para crianças pretas”, afirma Iberê de Castro Dias, juiz assessor da Corregedoria Geral da Justiça na área da Infância e da Juventude.
“Há 20 anos, o fato de ser preta era determinante para ser adotada. Agora, a grande dificuldade está na idade acima de dez anos”, completa Dias.
Dados do SNA, atualizados até o dia 13 de novembro, mostram que, dos 9.133 pretendentes, 5.737 aceitam qualquer uma das etnias, sendo branca, parda, amarela e preta.
Com isso, 3.396 pretendentes têm, pelo menos, uma objeção. Cada candidato pode selecionar interesse por uma ou mais de uma etnia ou todas elas, como fez o casal Marília e Emerson.
Além dos que aceitam qualquer cor de pele, 526 escolhem a cor preta, enquanto 2.991 se interessam pelas brancas.
A boa notícia, nesse caso, é que há 168 crianças pretas disponíveis para adoção, um grupo bem menor comparado aos pretendentes interessados.
Para os juízes Iberê Dias e Mônica Gonzaga Arnoni, da Coordenadoria da Infância e da Juventude do TJSP, essa mudança é fruto de avanços na sociedade e da preparação dos pretendentes.
“Adoção é um ato de amor, mas acompanhado de preparação, de técnica, de paciência e de terapia. No momento em que essa criança sofrer com o preconceito, esses pais devem estar preparados para protegê-la”, diz Mônica.
Em meio aos desafios, os magistrados até sugerem que os candidatos estabeleçam um perfil de criança. “Quando isto não é bem estabelecido, a gente vê ao final do processo situações de abandono. Aquela criança que já passou por uma casa de acolhimento, de repente passa por um segundo abandono”, diz Mônica.
“Por isso, é preciso olhar para si e dizer, até onde eu consigo ir, e não porque é legal adotar uma criança preta como o ator global”, pondera a juíza.
O TJ vem intensificando em seus cursos preparatórios, e obrigatórios aos pretendentes, conteúdos sobre a adoção interracial. Nesta fase, os candidatos ouvem palestras e relatos de homens e mulheres –além das próprias crianças— que ignoraram a etnia, assim como deficiência física e faixa etária, e concluíram todo o processo.
Outros aliados, de acordo com os juízes, são os grupos de apoio formados por especialistas e pessoas com experiências no tema. Tais grupos funcionam com dedicação de voluntários e de forma autônoma, isto é, sem nenhum vínculo com a Justiça.
Fundado em 2014 por cinco terapeutas, o Pertenser é um desses grupos. Desde 2014, os voluntários ministram palestras, realizam conversas em grupos e, de acordo com a necessidade, encaminham para psicólogos, assistente social, médico.
“Os grupos trazem situações reais [para os candidatos] e auxiliam no processo de adaptação no pós-adotivo, e também a lidar com os receios e na construção do vínculo”, afirma Mônica.
“O que faz esse crescimento [de pretos adotados] é preparação dos pretendentes. Existe uma série de mitos que rondam a adoção, e ainda mais quando se fala em adoção interracial”, prosseguiu a juíza.
Para Dias, os depoimentos e experiências relatados nos grupos surtem efeito. “São pessoas que já fizeram a adoção e explicam os seus desafios em um país racista.”
Psicóloga, Marília e o companheiro acreditavam que iriam tirar de letra a adoção de Laura e Lucas, mas aos poucos perceberam a importância de lidar com letramento e consciência racial.
“Precisávamos trazer para casa elementos importantes para a identidade deles, para o fortalecimento da autoestima e fazer uma leitura sobre o mundo a partir das perspectivas deles”, afirma a mãe.
PASSO A PASSO PARA ADOTAR
1º) Busca
Procure o Fórum ou a Vara da Infância e da Juventude com os seguintes documentos: certidão de nascimento ou casamento, ou declaração relativa ao período de união estável; cédula de identidade e da inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF); comprovante de renda e de residência; atestados de sanidade física e mental; certidão negativa de distribuição cível; certidão de antecedentes criminais.
2º) Análise de documentos
Os documentos apresentados serão remetidos ao Ministério Público para análise. O promotor de Justiça poderá requerer documentações complementares
3º) Avaliação da equipe interprofissional
Os postulantes à adoção serão avaliados por uma equipe técnica multidisciplinar do Poder Judiciário. São analisados a realidade sociofamiliar; condição de receber criança/adolescente na condição de filho; identificar qual lugar ela ocupará na dinâmica familiar, bem como orientar os interessados sobre o processo adotivo.
4º) Participação em programa de preparação para adoção
O programa pretende oferecer aos postulantes o efetivo conhecimento sobre a adoção, tanto do ponto de vista jurídico quanto psicossocial.
5º) Análise do requerimento pela autoridade judiciária
A partir do estudo psicossocial, do certificado do programa de preparação para adoção e do parecer do Ministério Público, o juiz proferirá sua decisão, deferindo ou não o pedido de habilitação à adoção.
Entre os motivos que podem vetar os candidatos, estão o estilo de vida incompatível com criação de uma criança ou dificuldades para aplacar a solidão, superar a perda de um ente querido ou superar crise conjugal. É possível recomeçar o processo posteriormente.
O prazo máximo para conclusão da habitação é de quatro meses, prorrogáveis por período igual.
6º) Busca pela criança ou adolescente
Com a habilitação, os dados dos postulantes são inseridos no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento. Se for encontrado um perfil desejado pelos habilitados, a Justiça fará contato para apresentar o histórico da criança e dará início ao processo de aproximação.
7º) Estágio de convivência
A criança/adolescente passará a morar com a família, sendo supervisionado pela equipe técnica do Poder Judiciário, durante três meses no máximo, prorrogável por igual período.
8º) Uma nova família
Após o término deste estágio de convivência, os pretendentes terão 15 dias para propor a ação de adoção. Caberá ao juiz verificar as condições de adaptação e vinculação socioafetiva da criança/adolescente e de toda a família. Sendo as condições favoráveis, o magistrado profere a sentença de adoção e determina a confecção do novo registro de nascimento, já com o sobrenome da nova família.
O prazo máximo para conclusão da ação de adoção será de quatro meses, prorrogáveis uma única vez por igual período.
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