Tiroteios diminuem no Rio com pandemia, mas ainda atingem crianças, aponta relatório; veja números

Veículo: O Globo - RJ
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Era Domingo de Páscoa quando Riquelme, prestes a completar três meses de idade, começou a choramingar e sua mãe, Roberta Leite, de 41 anos, decidiu niná-lo na frente de casa. Ao abrir o portão, a tragédia: uma bala de fuzil retalhou a perna direita do bebê e atravessou a barriga da mãe, que não resistiu. Naquele dia, o pequeno — que ainda se recupera de sequelas — se tornou uma das 22 crianças baleadas em 2020 na Região Metropolitana do Rio, segundo o relatório anual da plataforma Fogo Cruzado, divulgado nesta segunda-feira.

O documento mostra que, se, por um lado, o ano passado teve dados como uma queda de 38% no total de baleados em tiroteios (de 2.881 em 2019 para 1.795), uma redução de 41% de mortos (de 1.522 para 896) e uma diminuição de 38% nos confrontos (de 7.368 para 4.589), por outro confirmou que a violência envolvendo crianças esteve longe de recuar.

Se considerados apenas os menores de 12 anos, a queda na quantidade de baleados foi um pouco menor: 8% (de 24 para 22). E na Baixada Fluminense, onde vive Riquelme, aconteceu o contrário, houve aumento dos casos. Onze crianças acabaram alvejadas, quase o triplo do registrado em 2019, de acordo com o relatório. Seis delas morreram. E todo esse cenário dramático se deu num ano atípico, devido às restrições da pandemia, em que a maioria das crianças passou a circular menos, sem ir à escola, por exemplo.

— Nem dentro de casa elas estiveram seguras. E isso fica mais claro na Baixada — afirmou Maria Isabel Couto, gestora de dados do Fogo Cruzado. — As crianças não são os alvos dos tiros. Mas, ainda assim, elas talvez sejam o resultado mais trágico da violência. Não basta reduzir a criminalidade para salvá-las. Se não controlarmos efetivamente a circulação de armas na Região Metropolitana do Rio, elas vão continuar, infelizmente, sendo vítimas.

No caso de Riquelme e de sua mãe, até hoje não foram concluídas as investigações sobre a origem do tiro. Segundo testemunhas, havia uma operação do Batalhão de Polícia de Choque da PM. Pai do menino, Márcio Luciano conta que a família tampouco recebeu auxílio algum do estado, nem para custear a recuperação do garoto, que fará 1 ano no próximo dia 24:

— Há quatro meses, ele precisou fazer uma cirurgia para implante de dois tendões na perna. Mas ainda não consegue apoiar o pezinho direito no chão. O processo mais dolorido hoje é vê-lo tentar aprender a andar e não conseguir. Hoje, minha vida é toda voltada para ele, numa rotina de fisioterapia, exames e uma série de outros cuidados.

Além do drama das crianças baleadas, o relatório do Fogo Cruzado mostra a Baixada como a região com os tiroteios mais letais de todo o Grande Rio, concentrando 33% dos mortos por armas de fogo. Já o Leste Metropolitano — segundo colocado no ranking de mortos — teve 32%. É nessa região que fica São Gonçalo, outra zona vermelha de alerta, segundo os dados do Fogo Cruzado.

O documento aponta que o município registrou 13% dos 4.589 tiroteios do ano passado, com 23% dos mortos e feridos da Região Metropolitana. “Em São Gonçalo, os tiros são mais letais do que, por exemplo, na capital”, diz um trecho do relatório.

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