Treinar professor para diminuir bagunça na sala melhora aprendizado

Veículo: Folha de S. Paulo - SP
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Uma pesquisa que acaba de ser concluída pelo Banco Mundial mostra que treinar os professores para interagir mais com os alunos e reduzir a indisciplina em sala de aula pode ter forte impacto na aprendizagem no Brasil.

Em um piloto testado em 2015 no Ceará, coordenadores pedagógicos receberam técnicas – que repassavam aos docentes – para gerir melhor o tempo e aumentar a concentração dos alunos. O Gestão na Sala de Aula foi desenhado pelo Banco Mundial, Fundação Lemann e Elos Educacional.

Os resultados dos estudantes das 175 escolas estaduais de ensino médio em provas feitas no ano passado foram comparados com os de alunos de estabelecimentos com características parecidas que não participaram do projeto, para que seu impacto pudesse ser mensurado.

Segundo os pesquisadores Barbara Bruns, Leandro Costa e Nina Cunha, do Banco Mundial, as notas de matemática dos alunos das escolas que implementaram a intervenção aumentaram, em média, 4 pontos em relação às dos demais estudantes na avaliação educacional do Ceará (Spaece).

O ganho equivale a aproximadamente um terço da aprendizagem adquirida em um ano letivo normal.

Em português, os alunos cujos coordenadores passaram pelo treinamento alcançaram, em média, 2 pontos a mais no Spaece. O melhor desempenho nas duas disciplinas também se refletiu nas notas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).

“Nunca a secretaria tinha oferecido algo tão importante para a gente. Não foi teórico, eram instruções práticas”, diz Eliete Costa, coordenadora pedagógica da escola Liceu do Conjunto Ceará.

O projeto envolveu a observação de aulas para identificar problemas e, depois, registrar mudanças. As melhores práticas dos professores de cada escola foram compartilhadas com os demais.

O livro Aula Nota 10, de Doug Lemov, que traz técnicas didáticas, foi distribuído para coordenadores e professores. Os coordenadores receberam orientação frequente de especialistas via Skype e tiveram três sessões de treinamento presencial. 

“O programa se baseou nas evidências de que melhorar a prática do professor, via aumento do tempo usado de fato para instrução, é muito importante”, diz Roberta Biondi, coordenadora de projetos da Fundação Lemann.

Segundo o Banco Mundial, houve um aumento de 59 horas efetivamente usadas para ensinar, o equivalente a duas semanas de aulas. O acréscimo foi conseguido por meio da redução do tempo gasto com atividades administrativas e com a bagunça em sala de aula. 

O Brasil tem alto nível de indisciplina escolar. Metade dos docentes do país declara perder muito tempo com interrupções de alunos, o percentual mais alto entre 34 nações ricas e emergentes, segundo a OCDE.

Após o projeto testado no Ceará, a distração dos alunos com conversas paralelas e uso de celular caiu de 19% para 16% do tempo de aula.

Segundo Eliete, uma técnica efetiva foi estabelecer que, em atividades coletivas, o professor poderia voltar a requisitar a participação de um aluno mais de uma vez. “Eles apontavam com um estalo de dedo, fazendo os alunos prestarem atenção.”

O efeito colateral dessas mudanças foi o aumento da aprendizagem.

Outras prioridades

Mesmo com bons resultados, nem todo programa vira política pública. O Gestão em Sala de Aula, por exemplo, não foi adotado no Ceará.

O governo afirmou desconhecer efeito na aprendizagem, apesar de melhoras no tempo usado para instrução e no engajamento dos alunos.

Segundo a Secretaria de Educação do Ceará, optou-se por outra política de fortalecimento dos coordenadores baseada em estudos de caso do cotidiano das escolas locais.

Para Roberta Biondi, da Fundação Lemann, um desafio dos avaliadores é deixar mais claro para os gestores por quais canais foram obtidos os resultados.

Avaliações

Programas educacionais desenhados com o objetivo de serem testados têm ganhado fôlego. O BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) vem compilando evidências da efetividade de políticas com objetivos diversos.

Segundo a instituição, programas de visitação familiar são, por exemplo, os que têm apresentado maior impacto no desenvolvimento infantil.

Incentivos financeiros a alunos — como prêmios em dinheiro — se mostram mais eficazes em aumentar a aprendizagem de adolescentes. Mas, no caso de crianças do ensino fundamental 1, programas de tutoria funcionam melhor.

Segundo Julian Cristia, pesquisador do BID, o próximo passo será mensurar a relação entre custo e benefício dos diferentes programas. “Queremos priorizar as opções que ofereçam a maior efetividade por dólar gasto.”

O projeto Gestão na Sala de Aula teve um custo anual de US$ 2,4 por aluno. O treinamento via Skype, diz o Banco Mundial, reduziu gastos.

O SMS é outra tecnologia barata e de amplo alcance que tem sido usada em experimentos educacionais. O EduqMais, que busca aumentar a frequência às aulas enviando simples lembretes via SMS aos pais, teve resultado positivo em um teste feito em São Paulo, em 2016.

“Esses projetos piloto são essenciais”, diz Valéria de Souza, da Coordenadoria de Gestão da Educação Básica da secretaria estadual de São Paulo. Segundo ela, o governo deve implementar a política em caráter permanente, mas o processo pode levar três anos, pois envolve o trabalho coordenado de várias áreas.

Pontos de luz

Para o especialista em políticas públicas Marcos Silveira, diretor-executivo do Datapedia, um problema comum na implantação de políticas públicas é que os governos partem para soluções sem conhecer as causas do problema.

Ele cita o exemplo de uma diretora que passava o dia no portão, por falta de porteiros. “Melhorias pedagógicas terão efeito menor se o recurso mais valioso, o tempo da liderança, estiver sendo desviado.”

Falta também ouvir quem já teve sucesso, diz. “Há escolas que sobressaem no Ideb, administram bem merenda, têm boa gestão familiar. A solução está ali. São pontos de luz não explorados pelos gestores.”

De 2012 a 2015, Silveira foi consultor para a rede pública de Catanduva (SP). Concluído o diagnóstico e identificadas as boas práticas, toda a equipe do município recebeu treinamento. A nota da cidade no Ideb passou de 5,9 em 2011 para 6,9 em 2015.

“Não há grande segredo: basta dar poder a soluções locais, e copiar e adaptar outras experiências que deram certo.”

Um método que parte da identificação do problema e termina no compartilhamento do que deu certo está na base da política Gestão em Foco, implementada nas escolas do Estado de São Paulo.

Valéria de Souza ressalva que a troca de experiências precisa ser sistematizada, para que elas sejam de fato incorporadas na rede como novas práticas.