Uma nova relação com a comida e o brincar podem aumentar batalhão de ex-gordinhos
“Pulo corda, faço abdominal e flexão todos os dias. E agora baixei um aplicativo com séries de exercícios de força e cardio (cardiorespiratórios) que ajudam a emagrecer.” A frase é de um garoto que acaba de completar 11 anos, determinado a mudar uma realidade que demorou, mas começou a incomodar. Carmo Vitor Batista Ribeiro foi ganhando peso nos últimos anos, sem que isso chamasse sua atenção. Não era o único em casa, onde uma alimentação desequilibrada e um desinteresse por exercícios e esportes eram a realidade. Quando entrou no escotismo e teve dificuldades para acompanhar os colegas, a coisa mudou. “Não aguentava correr e aí começou a 'zoação'. Percebi que estava muito gordinho e falei com minha mãe que queria emagrecer”, lembra. A televisão passou a disputar espaço com a natação. E depois, com o futebol e a academia. Carmo descobriu o prazer de se exercitar. Descobriu também o prazer de superar um desafio e se transformar. “Antes, estragava a brincadeira, porque era o único que não aguentava correr. Agora, até respiro melhor. Também comia muita bobagem. No almoço, enchia o prato, e repetia. No lanche, comia pão com muita manteiga, presunto e 'toddy' preto. Quando penso como era, me assusto. Diminuí bastante a quantidade, como devagar e me sinto satisfeito. Agora, as roupas estão mais larguinhas. As pessoas notam que emagreci. Minha vida mudou, mas ainda quero chegar no meu peso ideal”, comemora. Carmo está fazendo sua parte para sair de estatísticas alarmantes. Segundo dados do Sistema Nacional de Indicadores em Direitos Humanos, divulgados este ano pelo Governo Federal, 20% dos adolescentes brasileiros estão com excesso de peso. Na faixa etária entre 5 e 9 anos, uma a cada três crianças pesa mais do que deveria. Nos menores de 5 anos, o índice é de 7,3%. Os indicadores revelam o quadro de transição nutricional brasileiro, com um declínio das prevalências de desnutrição infantil e o aumento das prevalências de excesso de peso. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), que criou a Comissão para o Fim da Obesidade Infantil, trata-se de um dos maiores problemas de saúde no mundo, já que as crianças obesas podem, no futuro, desenvolver doenças graves.
Família unida emagrece mais
O acompanhamento dos pais estimula a criança na busca por hábitos saudáveis e facilita o enfrentamento da obesidade e de suas repercussões negativas. A obesidade infantil começa antes mesmo de a criança nascer. Segundo o pediatra e nutrólogo Mauro Fisberg, se 51% da população brasileira está acima do peso, a chance de duas pessoas nessa situação se atraírem é muito grande. “E a criança desse casal, possivelmente, terá uma combinação de fatores favoráveis à obesidade.” Mas muitos outros aspectos estão envolvidos na gênese do problema. O ganho de peso da mãe na gestação (a média nacional é de 16kg), o tipo de parto e de amamentação (estudos já demonstraram que o leite materno e o parto normal previnem o excesso de peso) tudo influencia. Prematuridade também. Se o bebê é prematuro e tem peso muito baixo, é grande a chance de, durante a recuperação, no primeiro ano de vida, ele ser superalimentado tanto pelos profissionais quanto pela família. Se não é prematuro, mas nasceu com baixo peso, também tende a incorporar calorias mais facilmente porque nosso organismo não foi feito para passar fome e usará mecanismos para armazenar essa energia. “Até aqui, então, nada é culpa da criança e também não pode ser considerado culpa da família. Mas pode ser culpa da genética. E é necessária maior orientação dos profissionais de saúde em todas as fases: da gestação ao adolescente”, defende Fisberg. A introdução dos alimentos nos primeiros meses de vida pode ser outro fator de risco para o excesso de peso. “Se a criança comer alimentos inadequados para a faixa etária e não houver um equilíbrio, sua alimentação já começou errada desde cedo e, nessa época, não há atividade física para ajudar. Esse início da vida é essencial no desenvolvimento dos hábitos, das preferências por sabores. Se a família não tem limites e não sabe controlar isso quando a criança ainda é um bebê, é grande a chance de ela comer mal, engordando ou tendo carências alimentares. Família com conduta inadequada pode levar tanto à desnutrição quanto à obesidade”, alerta.