Unidades socioeducativas do Ceará são piores do que presídios, diz pesquisador

Veículo: www.ebc.com.br - DF
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Dormitórios transformados em verdadeiras celas, ausência de atividades de ressocialização, relatos de violência e tortura. A situação das unidades do sistema socioeducativo do Ceará foi vista de perto na semana passada pelo pesquisador sênior da Human Rights Watch César Muñoz.

Integrante da equipe do Brasil da divisão das Américas da organização internacional, Muñoz foi convidado pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca Ceará) a visitar o estado e visitar as unidades que abrigam adolescentes que cumprem medida socioeducativa de restrição de liberdade.

“Quando você entra em algumas das unidades socioeducativas do Ceará, você entra em um presídio pior, em muitos aspectos, do que Pedrinhas, no Maranhão, e Curado, em Pernambuco. As crianças e adolescentes que estão lá, muitas vezes ficam 24 horas em um dormitório, que podemos chamar de cela. Muitos estão com doenças de pele pela falta de limpeza e de ventilação e há muitos relatos de violência”, afirmou Muñoz.

Durante três dias, o pesquisador visitou os Centros Socioeducativos São Miguel, São Francisco, Passaré, Canidezinho e Aldaci Barbosa (que recebe crianças e adolescentes do sexo feminino). As constatações de Muñoz confirmam a continuidade de situações de violações de direitos já denunciadas por entidades de defesa da criança e do adolescente do Ceará a órgãos nacionais e internacionais.

Em janeiro, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) expediu medidas cautelares ao Brasil cobrando medidas urgentes para resguardar os direitos das crianças e adolescentes privadas de liberdade no Ceará.

Muñoz também ouviu relatos de violência praticada contra os internos por policiais e socioeducadores. Segundo informações dos diretores das unidades, esses profissionais foram expulsos. No entanto, ele diz serem necessárias medidas mais rígidas de punição. “Enquanto essas pessoas não forem investigadas e responsabilizadas, essa violência vai continuar. A expulsão desses socioeducadores é um passo necessário, mas o estado precisa responsabilizar criminalmente quem comete tortura”.

Em agosto de 2015, o Fórum Permanente das Organizações Não Governamentais de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes (Fórum DCA) denunciou a prática de violência e tortura contra internos do Centro Socioeducativo Passaré após um motim.

As informações sobre a visita do representante da Human Rights Watch vão embasar um relatório e um vídeo. Segundo Muñoz, esse material tem o objetivo de influenciar as políticas públicas voltadas para a proteção dos direitos de adolescentes em conflito com a lei.

Melhorias

Assessores do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará acompanharam o pesquisador nas visitas às unidades socioeducativas. Segundo Julianne Melo, assessora jurídica da entidade, houve melhorias nos centros, a exemplo de mudanças estruturais, fornecimento de insumos básicos e atividades para os internos. No entanto, conforme ela, essas mudanças ainda são insuficientes.

“É uma melhora considerando que existia um confinamento absoluto e um ciclo de violência muito grande. Diante desse cenário, uma pequena melhora é significativa, mas a socioeducação ainda não chegou. Saímos de um ciclo de barbárie para um ciclo de carceragem.”

Em junho, a gestão dos centros socioeducativos passou a ser feita pela Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo, criada por lei e com autonomia administrativa e financeira. Antes, as unidades estavam sob responsabilidade da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS).

Um mês antes da aprovação do projeto de lei que criou a superintendência, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) pediu o afastamento do titular da pasta, Josbertini Clementino, pelo descumprimento de medidas emergenciais para solucionar problemas do sistema socioeducativo.  Em 2015, o sistema socioeducativo passou por diversas situações de conflito, entre motins e fugas, o que motivou a secretaria a criar um plano de estabilização com medidas judiciais, educativa, de infraestrutura e saúde, entre outras.