Vacinação de crianças no país atinge índice mais baixo em 16 anos
Em meio ao alerta sobre o risco de retorno de doenças quase esquecidas, os índices de coberturas vacinais de bebês e crianças tiveram nova queda em 2017 e já atingem o nível mais baixo do país em ao menos 16 anos.
Pela primeira vez no período, todas as vacinas indicadas a menores de um ano ficaram abaixo da meta do Ministério da Saúde, que prevê imunização de 95% deste público. A maioria tem agora índices entre 70,7% e 83,9% —a exceção é a BCG, ofertada nas maternidades, com 91,4%.
Os dados são do PNI (Programa Nacional de Imunizações), estratégia reconhecida internacionalmente pelo sucesso no controle de doenças no país. Até o ano passado, o ministério afirmava que ainda era cedo para verificar uma tendência de queda na vacinação. Agora, o governo federal já admite o problema.
Entre as vacinas com redução na cobertura estão aquelas que protegem contra poliomielite, sarampo, caxumba, rubéola, difteria, varicela, rotavírus e meningite.
"São os menores níveis já registrados", disse à Folha a coordenadora do programa, Carla Domingues. A pasta informou dados desde 2002. "A partir de 2015, vimos uma estabilidade e uma pequena redução. Mas em 2017 tivemos uma queda ainda mais forte."
Para especialistas, a situação preocupa diante do risco de retorno de doenças erradicadas há décadas.
"Ter 70% de cobertura significa ter 30% de suscetíveis. E aí a chance de as doenças voltarem é muito grande", afirma a presidente da Sbim (Sociedade Brasileira de Imunizações), Isabela Ballalai.
Panorama da vacinação no Brasil
É o caso do sarampo. Desde 2002, a taxa de cobertura da vacina tríplice viral, indicada para menores de um ano, ficava próxima a 100%. Nos últimos dois anos, caiu para 95,4% e, agora, para 83,9%.
No mesmo período, a cobertura da vacina tetra viral, indicada a partir de 15 meses, passou de 79% para 70,7%.
Enquanto a vacinação cai no país, volta a crescer o número de casos da doença. Atualmente, RR soma 172 casos confirmados de sarampo, a maioria entre venezuelanos que vieram ao Brasil fugindo da crise no país vizinho. Também há ao menos 147 casos confirmados no AM e 5 no RS. Juntos, os três estados somam ainda 1.240 casos em investigação.
Antes do surto em Roraima, a taxa de vacinação no estado era de 80% em menores de um ano. Para Daniela Campos, coordenadora de vigilância local, o índice menor que a meta colaborou para alguns casos também em brasileiros.
"Essas falhas ano a ano foram criando um bolsão de suscetíveis. Só não foi pior porque fizemos uma campanha em 2015", afirma Campos.
"Com sarampo vemos que basta diminuir um pouco a cobertura vacinal, como ocorreu na Venezuela, que temos uma reintrodução da doença", diz Domingues, do PNI. Ela lembra que, em 2016, o Brasil recebeu da Opas (Organização Pan-americana de Saúde) um certificado de eliminação do sarampo. Agora, o país corre o risco de perdê-lo se a transmissão não for interrompida.
A redução nas coberturas vacinais gerou alerta entre especialistas diante da notificação de um caso suspeito de poliomielite em uma criança com paralisia que vive em uma comunidade indígena na Venezuela, o que não ocorria havia 29 anos.
Segundo a Opas, no entanto, novos exames descartaram a hipótese de poliovirus selvagem ou uma mutação pelo vírus vacinal —o que, na prática, afastaria o risco de surto.
Na última semana, a Sociedade Brasileira de Pediatria divulgou um comunicado aos médicos para que fiquem atentos às coberturas vacinais contra a pólio.
Em 2002, a vacina ofertada para menores de um ano contra pólio registrava coberturas superiores a 96%. Agora, atinge 77%. Em alguns estados, como São Paulo, o índice é ainda menor —68,5%.
Diante dos dados, o governo já avalia estratégias como aumento nos horários de funcionamento dos postos de saúde e parceria com as escolas.
Segundo a coordenadora do PNI, a falta de tempo e os horários limitados dos postos de saúde, com a maior participação das mulheres no mercado de trabalho, estão entre os fatores alegados em campanhas para o atraso na vacinação.
Outro é a falsa sensação de segurança dos pais. "As pessoas acham que seu filho está bem nutrido, que vai para escolas em bairros com condição adequada de saneamento e boa alimentação e por isso não vai pegar doenças. Mas esquece que viajam, vão para outro país, shoppings, parques e pode ter alguém doente."
Em 2007, uma pesquisa apontava essa postura como mais frequente entre pais de classes econômicas mais altas.
Agora, teme-se a expansão desse comportamento para outros grupos. "Há um relaxamento da população e dos próprios profissionais de saúde", afirma Ballalai, da Sbim.
Para ela, a queda nas ações de busca ativa por não vacinados e frequentes casos de desabastecimento de vacinas nos últimos anos podem ser apontados como entraves.
"Tivemos falta de BCG, por exemplo, que é aplicada na maternidade. Uma vez que sai de lá sem vacina, é mais difícil ir ao posto de saúde. E se vai no posto e não tem, acaba não voltando", completa.
Em nota, o Ministério da Saúde diz que mantém a distribuição de vacinas e trabalha na regularização dos estoques em casos de faltas pontuais.
Já Luciana Rodrigues, da Sociedade Brasileira de Pediatria, atribui a queda nas coberturas a movimentos contrários à vacina e ao avanço de informações falsas nas redes sociais. "É um movimento inadequado e fantasioso, mas às vezes algumas famílias entram nessa conversa."
O ministério diz que dados iniciais não apontam tais fatores como predominantes —mas que é preciso combatê-los.