Violência no Brasil: escolas registram aumento de 245% em paralisações por tiroteios e toque de recolher
A violência tem afetado o direito que todas crianças e todos adolescentes têm a uma educação pública de qualidade, com acesso a 200 dias letivos, como prevê a Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Isso porque, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado neste mês, o percentual de escolas que tiveram que interromper o calendário escolar por vários dias devido a episódios de violência aumentou 245,6% de 2021 a 2023.
O Anuário considera dados do questionário do diretor aplicado no Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Em 2023, ano utilizado como base para as divulgações mais recentes, 3,6% das escolas brasileiras cujos diretores responderam à pesquisa apontaram esse impacto da violência nos dias letivos. Em 2021, apenas 1% das escolas pontuaram terem tido que parar as aulas por causa disso.
A violência acontece em muitas frentes. Em 2023, por exemplo, aconteceu um boom de atentados a escolas Brasil afora. Conforme estimado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 12,6% das escolas brasileiras relataram terem sido alvo de ameaça ou tentativa de ataque. É como se, ao longo do ano, uma a cada oito escolas tenha convivido com a iminência de um ato de grande repercussão –mesmo que não consumado.
Mas, para além dos casos de violência extrema, há também as escolas que têm a violência como parte do seu cotidiano territorial. Como acontece nos Estados do Rio Grande do Norte e do Rio de Janeiro, onde mais se concentraram os casos de unidades educacionais que fecharam as portas por dias devido ao risco. No Estado potiguar, 29% das instituições passaram por situações do tipo. Já no território fluminense, 8,7%.
O destaque ao Rio Grande do Norte acontece porque, em março de 2023, 19 cidades foram alvo de ações coordenadas pela facção criminosa atuante no Estado –resultando em tiroteios, toques de recolher, suspensão de aulas e até a interrupção temporária de serviços públicos essenciais como os de transporte.
No Rio de Janeiro, o dado também reflete a realidade de disputas de facções e ações policiais. No Estado, 13,4% das escolas informaram terem lidado com ocorrências de tiroteio ou bala perdida.
“Embora possamos atribuir o crescimento geral no percentual de interrupções do calendário escolar das escolas brasileiras às ameaças e episódios de violência extrema que instilaram pânico e induziram a adoção de medidas preventivas e emergenciais mais drásticas, é necessário sublinhar a centralidade e magnitude do impacto do crime organizado e das políticas para seu enfrentamento no cotidiano das escolas do país”, avalia o Anuário, na publicação.
‘Violência naturalizada’
Os ataques às escolas, pela forma como aconteceram, chamaram a atenção da sociedade e comoveram. “Por outro lado, a gente tem essa violência cotidiana que prejudica também uma enorme quantidade de alunos e gera diversos prejuízos, mas isso não chama tanto a atenção”, pontua Ana Claudia Cifali, coordenadora jurídica do Alana, que atua em prol de políticas públicas pelos direitos da criança e do adolescente.
Para ela, o modo como a sociedade está “deixando essa violência passar”, de alguma forma, representa uma naturalização da violência –que se dá, principalmente, em territórios periféricos, como uma expressão do racismo estrutural no Brasil, pontua.
Ana Claudia cita o plano de redução da letalidade policial apresentado pelo Estado do Rio de Janeiro no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, homologado parcialmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em abril deste ano. Ela atuou nesta mobilização para levar o aspecto do impacto dessa violência para as crianças e adolescentes, e ao direito à educação.
Em um primeiro momento, o ministro Edson Fachin, relator da ação, determinou em seu voto que fossem proibidas práticas de utilização de qualquer equipamento educacional como base para operações da Polícia Civil e Militar, vedando, também, o baseamento de recursos operacionais em áreas de entrada e saída de escolas. As instituições em prol da defesa dos direitos das crianças consideraram o parecer favorável, mas o trecho foi retirado da versão final considerada em voto conjunto dos demais ministros.
“O dever do direito à educação vai além de oferecer um ensino público gratuito. Inclui a criação de um contexto educacional, livre e seguro. Livre de violências, dessas operações policiais e dinâmicas do crime organizado no entorno de escolas”, pontua a especialista, que explica que esse contato com a violência impacta desde o caminho até a escola à própria aprendizagem, além das consequências psicológicas e emocionais provocadas.
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