Indígenas reforçam relatos de ameaças de violência no campo

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O mês de abril foi novamente marcado pela violência contra povos indígenas, que ainda sofrem com a criminalização de suas ações. Somente no último ano, segundo relatório do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), 38 índios foram assassinados. Apenas no Mato Grosso do Sul, de acordo com o mesmo levantamento, foram 27. O mais grave deles, em novembro de 2011, quando aproximadamente 40 pistoleiros, todos mascarados, invadiram o acampamento Tekoha Guaiviry (entre os municípios Amambaí e Ponta Porã) e assassinaram o então cacique Guarani-Kaiowá, Nísio Gomes, 59, a tiros de fuzil calibre 12. Após o ataque, os outros indígenas moradores da aldeia se embrenharam pela mata para se proteger. Ainda assim, segundo relatos, três adolescentes também foram baleados. Leia mais aqui sobre a ameaça de morte e intimidação armada contra o antropólogo e indígena de mesma etnia, Tonico Benites.

Os meses se passaram e as cerca de 240 famílias que moram no local voltaram à região. Recentemente se encontram sob proteção da Força Nacional. “Foi garantida ‘na justiça’ a segurança deles. Mas até agora não encontraram o corpo do Nízio e a Polícia Federal não deu nenhum parecer quanto ao sumiço do corpo”, afirma Otoniel Ricardo, líder Guarani-Kaiowá e membro do Conselho Continental da Nação Guarani. O Mato Grosso do Sul é o segundo estado com maior população indígena no Brasil. Segundo a Funai, são oito etnias, sendo 45 mil apenas Guaranis-Kaiowás.

Em 26 de março, povos da aldeia Laranjeira Ñanderú, também da etnia Guarani-Kaiowá, obtiveram uma vitória parcial em julgamento para permanecer em suas terras, no município de Rio Brilhante, até a finalização da perícia judicial, quando será retomado o processo. “Não podemos dizer que vai melhorar, essa vitória é uma esperança de parar a violência com o nosso povo. A gente não quer violência. Queremos apenas uma solução para o nosso caso”, lamenta Ricardo.

Assim como no Mato Grosso do Sul, em Ilhéus (BA) e cidades adjacentes, várias aldeias estão sendo ameaçadas por fazendeiros e Polícia Federal. Em processo de retomada desde 2003, cerca de 8 mil indígenas Tupinambás lutam para permanecer em seu território, que abrange aproximadamente de 47 mil hectares, divididos em 22 áreas no sul da Bahia. Em fevereiro deste ano, outro ato de violência: cerca de 30 agentes da Polícia Federal estiveram no município de Olivença e desabrigaram 40 famílias que moravam no local. De acordo com testemunhas, houve muita truculência e diversas prisões.

Atualmente, segundo Glicéria Tupinambá, integrante da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) e moradora de outra área retomada, também em Ilhéus, ninguém que estava morando em Acuípe de Baixo pode voltar às suas casas. “Todos ainda estão alojados no Núcleo Acuípe de Baixo, uma escola próximo a área onde houve a desapropriação. Os que estavam presos foram soltos, alguns contam com o apoio de outras famílias e amigos para poder se abrigar, mas não é todo mundo”. De acordo com Glicéria, “o motivo da desapropriação é para que um empresário pudesse construir um hotel na área onde as famílias estavam. A região é muito visada para o investimento turístico e, também, são áreas que estão em conflito com fazendeiros”, denuncia. Glicéria afirma que todas as retomadas estão com ordem de despejo, mas que até agora não aconteceu nenhuma revogação, porém os processos estão no Ministério da Justiça.

Estas situações de violência estão diretamente associadas a uma tentativa de flexibilização dos direitos indígenas por parte da bancada ruralista do Congresso Nacional. É o que afirma Cleber Buzato, secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Ele entende que o governo “coloca os limites da floresta aos interesses dos ruralistas, que querem o acesso e exploração dos territórios”, explica. Buzato cita como exemplo a aprovação, em março, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara Federal, da PEC 215, que tramita desde 2000 e propõe a transferência da demarcação e homologação de terras indígenas, quilombolas e áreas de conservação ambiental do Poder Executivo para o Congresso Nacional. A matéria aguarda agora a criação de Comissão Especial pela mesa diretoria da Câmara Federal.

Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc, explica que os principais interessados nessa proposta de emenda são os grupos econômicos que demandam terras para ampliação da sua capacidade produtiva e da sua rentabilidade. “São produtores rurais de larga escala (soja, gado, girassol, dendê etc.), em especial, aqueles que atuam em áreas de fronteira agrícola e que têm pretensão de ver esta fronteira expandida. Um dos limitantes desta expansão é exatamente a existência destas áreas protegidas de que a PEC trata”.

Segundo ela, “setores que de alguma forma estão baseados na terra, a exemplo da mineração e de madeireiras e toda a cadeia vinculada ao agronegócio, seriam beneficiados com a expansão da fronteira agrícola”. E em relação à problemática em torno da aprovação do novo Código Florestal, Buzato, do CIMI, concorda que “há um fortalecimento da bancada ruralista, que viu nele a possibilidade de atacar a questão indigenista e quilombola, como já foi feito com a PEC 215”.

Para Buzato, as intervenções dos latifundiários trazem um sério risco à sociedade como um todo, “pois ficamos a mercê de um grupo econômico bem minoritário, mas que se vê no direito de implantar seus interesses sobre o próprio Estado brasileiro”.

Regularização de Terras Indígenas (TIs)

Nos casos das áreas em processo de demarcação, Buzato explica que “o governo federal retraiu ou paralisou os procedimentos de demarcação de terras indígenas”. De acordo com o Resumo das terras Indígenas do CIMI, há hoje 126 áreas a serem identificadas, 19 já foram reconhecidas pelo órgão indigenista federal, 53 já foram declaradas, 35 se encontram reservadas, 49 já foram homologadas e publicadas no Diário Oficial da União (DOU) e 343 estão devidamente registradas em cartório.

Marcio Santilli, coordenador de política e direito do Instituto Socioambiental (ISA) explica que “comparativamente com as outras regiões do país, a região amazônica teve um avanço maior que nas demarcações de terra de outras áreas do país”.

Segundo Santilli, o processo de demarcações teve peso para o fim dos conflitos por terras na Amazônia. “Hoje temos praticamente todas as áreas de Amazônia Legal já reconhecidas. As que ainda não foram demarcadas têm conflitos abertos pela disputa por terras, como em Raposa Serra do Sol (RO), em que, enquanto não houve a homologação, havia uma guerra permanente declarada”.

Nestes conflitos, os maiores reféns são os povos originários da terra ou que sobrevivem da agricultura familiar. Indígenas, quilombolas e pequenos produtores. “O que nós queremos é que a violência pare, pois somos cidadãos”, diz Ricardo, líder Guarani-Kaiowá. Também Glicéria faz um alerta ao desejo de paz dos indígenas: “o importante é ter a garantia do direito dos povos indígenas, que são o povo originário da terra, e que hoje não têm o direito de ter suas próprias terras. Mas, ainda temos a esperança de ter sua vida livre e plena, para poder cultivar a terra e cultuar nossos rituais”.

Fonte: Abong