Nota pública sobre as declarações do Ministro da Justiça acerca da Classificação Indicativa
As instituições que subscrevem este documento recebem com extrema preocupação as declarações do Ministro da Justiça, Torquato Jardim, acerca da política brasileira de Classificação Indicativa de obras audiovisuais, publicadas na coluna da jornalista Monica Bergamo, da Folha de S. Paulo, no último dia 4 de outubro.
Antes de tudo, surpreende o desconhecimento do Ministro a respeito dos aspectos essenciais de uma política que está sob sua direta responsabilidade. Ao contrário do que afirmou, não há “uma repartição em Brasília para dizer a idade em que se pode assistir a novela e cinema no país”. O modelo de classificação vigente, regrado pela Portaria MJ nº 368/2014, opera segundo o princípio da corregulação, priorizando o processo de autoclassificação de conteúdos. Dessa forma, está majoritariamente nas mãos dos próprios produtores das obras audiovisuais a prática classificatória, cabendo à equipe da Coordenação de Classificação Indicativa, órgão vinculado à Secretaria Nacional de Justiça e Cidadania do Ministério da Justiça, realizar o monitoramento do sistema.
A efetividade desse modelo é evidenciada, em especial, pelos indicadores relativos à autoclassificação das séries e telenovelas, que apontam para pouquíssimos casos de divergência entre aquilo que as emissoras definem e a ação de supervisão exercida pelo Ministério. Esse contexto harmonioso que predomina entre as partes envolvidas nos procedimentos relativos à política é corroborado pela pesquisa “Classificação Indicativa nos Tribunais: elementos jurídicos da política”, produzida pela FGV Direito-SP, a qual registra um grau mínimo de litigiosidade em torno do sistema em vigor no país.
Tais dados não oferecem sustentação, portanto, ao comentário do ministro de que esse sistema seria “uma loucura”. Na verdade, o modelo brasileiro de Classificação Indicativa conta com o reconhecimento de autoridades como o Relator Especial sobre a Promoção e Proteção do Direito à Liberdade de Opinião e Expressão das Nações Unidas (ONU) e o Relator Especial para a Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA), precisamente por estar alinhado aos padrões internacionais para a garantia dos direitos de crianças e adolescentes no campo da comunicação de massa. Esse arranjo corregulatório é adotado amplamente pelas nações democráticas, entre as quais os Estados Unidos, ao contrário do que sugere o ministro na nota mencionada.
Não bastassem esses elementos, a Classificação Indicativa também se destaca como uma política que efetivamente serve à população brasileira, que a valoriza e legitima. Segundo levantamento realizado em 2014 pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas, 72% dos respondentes avaliaram a política com o conceito “ótimo/bom”, enquanto 20% a consideraram “regular” e apenas 7% marcaram “ruim/péssimo”.
Por fim, a afirmação do ministro de que “está na hora de a sociedade assumir isso” soa, no mínimo, como um contrassenso, pois parece desconhecer a existência do Comitê de Acompanhamento pela Sociedade Civil para a Classificação Indicativa (CASC), vinculado ao próprio Ministério, que reúne diversas organizações que fazem o monitoramento desta política pública – várias delas signatárias desta nota.
Criado pela Portaria MJ nº 25/2012, o Comitê tem o objetivo de ser um instrumento de avaliação permanente da política pública, por meio do compartilhamento periódico de impressões, críticas e sugestões entre a sociedade civil e a equipe responsável pela operação do sistema classificatório. Essa iniciativa é convergente com a abordagem adotada pelo Ministério da Justiça, ainda no período de formulação da política (2005-2007), que envolveu em processos de consulta pública e debates os diversos setores interessados e estudos sobre os modelos de classificação utilizados por outras democracias.
Por mais de dois anos, entretanto, o Ministério da Justiça deixou de convocar as reuniões semestrais do CASC, alijando a sociedade de seu direito de contribuir para os rumos da política. Sua última reunião, realizada em setembro passado, só veio a concretizar-se após ampla insistência dos membros do Comitê. Agora o ministro fala em transferir para a sociedade uma obrigação que, segundo a Constituição Federal, é também do Estado brasileiro.
Em síntese, a política de Classificação Indicativa é um dos raros exemplos de prática de corregulação efetiva no campo da mídia hoje em vigor no Brasil. Ela é bem sucedida ao dar vazão aos princípios constitucionais de preservação da liberdade de expressão, rechaço à censura e garantia dos direitos da criança e do adolescente.
Em um momento em que o debate sobre a Classificação Indicativa volta à tona, cabe a este Ministério reforçar seu caráter democrático e participativo, de central importância para a infância e adolescência brasileiras, ao invés de sinalizar com o seu desmonte.
Brasília, 09 de outubro de 2017.
Entidades integrantes do CASC
ANDI – Comunicação e Direitos
Artigo 19
Conectas Direitos Humanos
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Instituto Alana
Fóruns, redes, federações e confederações
AMB – Articulação de Mulheres Brasileiras
Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Contee – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino
DEFEMDE – Rede Feminista de Juristas
FENADADOS – Federação Nacional dos Empregados em Empresas e Órgãos Públicos e Privados de Processamento de Dados
FNDC – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
MILC – Movimento Infância Livre de Consumismo
Plataforma DHESCA de Direitos Humanos
REBRINC – Rede Brasileira Infância e Consumo
RENAP – Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares
Rede Não Bata, Eduque
RNPI – Rede Nacional Primeira Infância
SOCICOM – Federação Brasileira das Associações Acadêmicas e Científicas de Comunicação
União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (Ulepicc), Capítulo Brasil
Entidades nacionais
ABONG – Organizações em Defesa dos Direitos e Bens Comuns
ACT – Promoção da Saúde
Aldeias Infantis SOS Brasil
Associação Nacional de Defensores Públicos (ANADEP)
Cecip – Centro de Criação de Imagem Popular
Centro de Cultura Luiz Freire – CCLF
Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
CIESPI/PUC
Instituto Avisa Lá
Instituto Pólis
Instituto de Defensores de Direitos Humanos (DDH)
Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH)
Justiça Global
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – PFDC/MPF
Domingos Silveira – Subprocurador-geral da República, Coordenador do Grupo de Trabalho sobre Comunicação Social da PFDC
SOS Corpo
Terra de Direitos
Entidades estaduais
Associação de Conselheiros e Ex Conselheiros Tutelares do Piauí (ACONTEPI)
Avante – Educação e Mobilização Social – Salvador/BA
Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – CEDECA Rio de Janeiro/RJ
Centro Educacional Infantil Luz e Lápis – São Paulo/SP
Comunidade, Família e Saúde – Programa Integrado de Pesquisa e Cooperação Técnica – Instituto de Saúde Coletiva/Ufba Ics – FASA
Fórum das Entidades da Sociedade Civil de Olinda – FESCO/PE
Fórum Pernambucano de Comunicação – Fopecom
Grupo Comunidade Assumindo Suas Crianças – Olinda/PE
Instituto Viva Infância – Salvador/BA
Movimento Ibiapabano de Mulheres/CE
Observatório da Mídia – Universidade Federal do Espírito Santo
PEIC – Grupo de Pesquisa em Políticas e Economia da Informação e da Comunicação – Universidade Federal do Rio de Janeiro
Sindicato dos Empregados em Empresas de Processamento de Dados, Informatica e Tecnologia da Informação do Amapá (Sindpd-AP)
Sindicado dos Jornalistas do Distrito Federal
Sociedade de Pediatria do Rio de Janeiro