PL das fake news é aprovado no Senado e traz graves prejuízos aos direitos de usuários de internet no Brasil

Compartilhe

Nesta terça-feira, dia 30 de junho, o Senado Federal aprovou o PL 2630/2020, de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). Conhecido como o “PL das fake news”, o texto teve como relator o senador Ângelo Coronel (PSD-BA) e passou por diversas alterações desde que foi protocolado. O projeto aprovado traz problemas graves, que afetam negativamente o direito dos usuários de internet no Brasil.

Confira a nota da Coalizão Direitos na Rede, da qual o Intervozes faz parte, sobre os principais problemas do PL.

Nota da Coalizão Direitos na Rede sobre a aprovação do PL 2630/2020 no Senado

O Senado aprovou nesta terça-feira (30) o PL 2630/20, que passou a ser conhecido como “PL das fake news”. A versão do relatório aprovada trouxe diversas mudanças em relação à versão original do autor, senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), terminou com a redução de diversas propostas problemáticas inseridas ao longo da tramitação, mas ainda mantém mudanças legais com potencial de prejuízo a direitos fundamentais, como a privacidade, a proteção de dados, o acesso à Internet e a liberdade de expressão. Por isso, a análise na Câmara dos Deputados será fundamental para corrigir os problemas que persistem no texto.

Na conclusão da tramitação no Senado, é importante registrar que a pressão da sociedade civil, dentro da qual a atuação da Coalizão Direitos na Rede, foi fundamental para retirar do debate temas também preocupantes. Entre eles, medidas de obrigação de análise de conteúdo pelas plataformas, com base em conceitos subjetivos de desinformação, e diversos tipos penais e dispositivos que abriam espaço para a criminalização de usuários por críticas políticas a autoridades e poderosos. 

As mudanças traziam riscos graves e a sua remoção do texto foi uma redução de danos importante, fruto da atuação de dezenas de organizações que vão além da área da comunicação e Internet, incluindo aí associações acadêmicas, entidades de defesa de direitos humanos, organizações internacionais de direitos digitais e especialistas de diversas áreas.

A Coalizão Direitos na Rede buscou, até o último momento, modificar o relatório do senador Angelo Coronel para suprimir do texto mecanismos de identificação massiva, de rastreabilidade de mensagens de aplicativos de mensagem e de vinculação de contas em redes sociais e números de telefones. A pressão foi importante para mudar as redações originais e reduzir o escopo de dispositivos vigilantistas e excludentes, mas mesmo assim o texto aprovado manteve no geral esses problemas. 

Destacamos abaixo os principais pontos, reafirmando o compromisso da Coalizão Direitos na Rede de seguirmos trabalhando, agora na Câmara dos Deputados, de modo a garantir que o país tenha uma lei que de fato combata a desinformação, mas sem violar direitos dos cidadãos e cidadãs.

1) Manutenção do conceito de conta identificada (art. 5º, inciso I)
Mantém a definição como “a conta cujo titular tenha sido plenamente identificado pelo provedor de aplicação, mediante confirmação dos dados por ele informados previamente”. Essa definição vincula as obrigações de identificação presentes no artigo 7º, objeto de pedido de supressão pela Coalizão Direitos na Rede.

2) Identificação em massa (Artigo 7º)
O dispositivo de identificação em massa foi flexibilizado. Inicialmente, a coleta de dados de identificação seria obrigatória para todos os usuários. Após pressão sobre o relator, esta foi alterada para casos de “denúncias por desrespeito a essa Lei”, “indícios de contas inautênticas” e de “ordem judicial”. Essa limitação, se importante pelo fato de não generalizar a coleta, ainda assim mantém a prática da identificação para um contingente significativo de usuários, sobretudo a partir de simples denúncias que poderão ser recebidas pelas plataformas – o que permite o abuso e massificação deste procedimento. Também foi mantido no relatório aprovado o “poder de polícia” às plataformas, obrigando-as a desenvolver medidas para “detectar fraude no cadastro e o uso de contas”. Como alertamos, esse dispositivo vai contra preceitos constitucionais e a Lei Geral de Proteção de Dados, que estabelece o princípio da coleta mínima dos dados necessários para uma finalidade. 

3) Rastreabilidade em massa (Artigo 10º)
Essa previsão sujeita o conjunto da população a alto risco diante de possíveis requerimentos abusivos de informações pessoais, medidas de mau uso de seus dados pelas empresas e vazamentos. Terão seus dados guardados obrigatoriamente pelos aplicativos todas as pessoas que, por razões legítimas ou involuntárias, participem das cadeias de compartilhamento de conteúdos, como jornalistas, pesquisadores, parlamentares e quaisquer cidadãos que, eventualmente, repassem uma postagem a fim de denunciá-la. Caso haja um processo judicial envolvendo esses conteúdos, caberá às pessoas envolvidas o dever de explicar, a posteriori, sua não relação com as indústrias de disseminação de desinformação que o PL pretende atingir. Trata-se de grave violação ao princípio da presunção de inocência e que, sim, pode impactar no exercício da liberdade de expressão nos aplicativos de mensageria privada.

4) Riscos à liberdade de expressão (Artigo 12º)
A redação protocolada incorporou pontos sobre devido processo na moderação de conteúdos por parte das plataformas, como mecanismos de notificação e direito de defesa dos usuários, que são importantes. Mas incluiu de última hora, sem diálogo com as organizações preocupadas com o texto, dois parágrafos (5º e 6º) cujas redações, vagas e confusas, aumentam ainda mais o poder de controle das plataformas sobre o fluxo informacional, podendo trazer riscos. O parágrafo 5o, por exemplo, trabalha com as ideias de “imitação da realidade” e de indução “a erro acerca da identidade de candidato a cargo público”, e o parágrafo 6o diz que a decisão do procedimento de moderação deverá assegurar “ao ofendido o direito de resposta na mesma medida e alcance do conteúdo considerado inadequado”. A figura do ofendido não existe no PL e traz enorme dificuldade de delimitação, com previsão superior inclusive à honra, que existe no ordenamento brasileiro. O direito de resposta, que é constitucional, deve ser baseado em decisão judicial. Do contrário, tal medida será terceirizada às plataformas, que poderão receber um conjunto de demandas e passarão a ter que analisar mensagens para identificar “conteúdos inadequados”. Além disso, para o cumprimento do dispositivo, as plataformas teriam que guardar mais dados dos usuários, algo que também viola os princípios da LGPD.

5) Código de conduta para redes sociais e serviços de mensageria submetido à aprovação do Congresso Nacional (Artigo 26, §1º, II)
A redação atribui ao Congresso Nacional a prerrogativa de aprovar um código de conduta para redes sociais e serviços de mensageria, conferindo status de norma infralegal a um documento a ser adotado e aprovado pelo Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet – criado justamente para ser um órgão técnico e autônomo. Tal submissão ao Congresso possibilitará eventual revisão das decisões do Conselho e ingerência política no seu funcionamento.

6) Inconstitucionalidade para a escolha de representantes do Conselho (Artigo 27, §4º)
Ao vetar que conselheiros sejam pessoas vinculadas ou filiadas a partido político, o dispositivo viola a Constituição, que garante liberdade de associação para fins lícitos. Tal redação inviabilizaria a nomeação, por exemplo, dos próprios representantes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal ao Conselho. O parâmetro adotado para vedar a nomeação é bastante restrito e é divergente, inclusive, com aqueles adotados para a nomeação em cargos públicos.

7) Aumento da exclusão digital no cadastramento de usuários de telefones pré-pagos (Art. 35)
A nova redação altera a previsão legal atual, substituindo a possibilidade alternativa pela obrigação de apresentação conjunta dos documentos de Identidade e do número de registro no Cadastro de Pessoa Física. Adicionalmente, determina nova regulamentação sobre o cadastramento de usuários de telefones pré-pagos. Exigir a apresentação dos dois documentos para a obtenção de um número pré-pago é uma medida desnecessária, excessiva e onerosa a brasileiros que não possuem documentação, impactando diretamente no direito à comunicação destes cidadãos. Redação deve ser alterada para permitir um documento ou outro.

                                                                                                                                                          Brasil, 30 de junho de 2020.