ANDI e Intervozes lançam nota contra uso da Classificação Indicativa para indiciamento de Felipe Neto

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Integrantes do comitê de acompanhamento da política pública, organizações apontam que a divulgação de vídeos com linguajar impróprio para crianças não pode ser caracterizada como prática de corrupção de menores

Nesta terça-feira (17), ANDI e Intervozes, duas organizações que integram o Comitê de Acompanhamento pela Sociedade Civil para a Classificação Indicativa (CASC-Classind), órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, divulgaram nota técnica se manifestando contrariamente ao indiciamento do influenciador digital Felipe Neto, pela Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI) do Estado do Rio de Janeiro, com base em conteúdos divulgados em seu canal no YouTube. O delegado responsável afirma que a divulgação de material impróprio para crianças e adolescentes e a não classificação etária desses vídeos violariam o artigo 244-B do Estatuto da Criança, que trata da corrupção de menores.

No documento, as organizações, que integram o CASC-Classind desde 2012, explicam que a portaria que rege esta política pública no país não estabelece como obrigatória a classificação indicativa de vídeos em plataformas digitais que funcionam mediante a publicação de conteúdo por terceiros, como o YouTube. E que a não aplicação da classificação etária em tais conteúdos, tampouco a divulgação de qualquer material impróprio, com linguajar inapropriado para crianças e adolescentes, pode ser caracterizada como prática de corrupção de menores.

“Não há, no ordenamento jurídico brasileiro, qualquer norma que estabeleça tal vinculação. Por mais preocupante, danosa e reprovável que possa ser a disponibilização online de conteúdos com linguajar vulgar para crianças e adolescentes, a legislação brasileira – incluindo a política de classificação indicativa – não considera tal prática uma infração penal. Muito menos o fato de crianças e adolescentes acessarem tais conteúdos pode ser visto como uma indução a práticas ilícitas, passível de caracterização de corrupção de menores”, diz a nota

As organizações reafirmam que o debate sobre a classificação indicativa de conteúdos disponibilizados na Internet é estratégico para o desenvolvimento de crianças e adolescentes. E defendem aprimoramentos na política de classificação indicativa para que sites e conteúdos disponibilizados na Internet passem a conter indicação etária. Consideram, entretanto, que ao utilizar de tal expediente neste momento, o delegado responsável pela repressão a crimes de informática comete um erro e prejudica o debate sobre este tema no país.

De acordo com a nota, o delegado “não apenas presta um desserviço à população, no sentido de desinformá-la sobre as leis e regras em vigor no país acerca do acesso a conteúdos online por crianças e adolescentes como se utiliza ilegitimamente de uma política pública estratégica para o país para perseguir o influenciador digital Felipe Neto”. ANDI e Intervozes pedem, ao final, que a Promotoria de Justiça para a qual o pedido de indiciamento foi encaminhado arquive de imediato o inquérito em questão.

Leia abaixo a íntegra da nota.

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Nota pública sobre a Classificação Indicativa na Internet e o caso Felipe Neto

No início de novembro, a imprensa noticiou o indiciamento, assinado pelo delegado Pablo Dacosta Sartori, da Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI) do Estado do Rio de Janeiro, do influenciador digital Felipe Neto por corrupção de menores. De acordo com a Polícia Civil do Rio de Janeiro, a divulgação de material impróprio para crianças e adolescentes no canal de Felipe Neto no YouTube e a não classificação etária desses vídeos violariam o artigo 244-B do Estatuto da Criança (Lei 8069/90), que prevê pena de reclusão de 1 a 4 anos para quem “corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la”.

Considerando que a não classificação etária dos vídeos disponibilizados na Internet foi utilizada para justificar o indiciamento em questão, ANDI e Intervozes, organizações que desde 2012 integram o Comitê de Acompanhamento pela Sociedade Civil para a Classificação Indicativa (CASC-Classind), órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, vem a público tecer os seguintes esclarecimentos:

1. A portaria que rege a política de Classificação Indicativa em vigor no país (Portaria 1.189, de 03 de agosto de 2018, do MJSP), estabelece como passíveis de classificação pelo Ministério da Justiça i) obras audiovisuais destinadas à televisão e aos mercados de cinema e vídeo doméstico; ii) jogos eletrônicos e aplicativos; e iii) jogos de interpretação de personagens. Exibições ou apresentações ao vivo, abertas ao público (peças de teatro, shows musicais, exposições e mostras de artes visuais e apresentações circenses) e programas radiofônicos devem ser autoclassificados por seus responsáveis, que devem informar a classificação posteriormente para monitoramento do Ministério da Justiça. O Guia de Classificação Indicativa trabalha com três categorias principais para análise dos conteúdos: “violência”, “drogas”, “sexo e nudez”;

2. Os jogos e aplicativos de Internet que requerem classificação são aqueles que requerem pré-instalação em dispositivos e aparelhos, por meio de download, streaming ou mídia física. De acordo com o Art 33, parágrafo 3o da Portaria, “não é obrigatória a classificação dos jogos e aplicativos disponibilizados apenas em navegadores de Internet não armazenados localmente, podendo ser realizada por demanda do interessado” (grifo nosso). Tampouco a portaria estabelece como obrigatória a classificação indicativa de vídeos em plataformas digitais que funcionam mediante a publicação de conteúdo por terceiros, como o YouTube;

3. O YouTube permite que os produtores de conteúdo que utilizam a plataforma apliquem restrições de idade a seus vídeos, limitando seu acesso para visitantes com menos de 18 anos de idade. Os visitantes precisam de ter sessão iniciada e mais de 18 anos para visualizarem vídeos com tais restrições de idade, e estes vídeos não são apresentados em determinadas secções do YouTube. A plataforma sugere a aplicação de restrições de idade a conteúdos contendo questões como “violência”, “imagens perturbadoras”, “nudez”, “conteúdo com conotação sexual”, “representação de atividades perigosas” e “linguagem vulgar”. No último caso, o YouTube cita como exemplo vídeos que utilizam “linguagem obscena forte no título, na miniatura ou nos metadados associados” ou vídeos “focados na utilização de linguagem obscena, como uma compilação ou clipes retirados do contexto”. Vale lembrar que a plataforma não pode ser usada por menores de 13 anos. Para crianças, a empresa disponibiliza um aplicativo específico, intitulado YouTube Kids;

4. O debate sobre a classificação indicativa de conteúdos disponibilizados na Internet é estratégico para o desenvolvimento de nossas crianças. Segundo dados da última pesquisa TIC Kids Online, publicada em 2019 pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação do Comitê Gestor da Internet no Brasil, 86% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos são usuárias de Internet. De acordo com o estudo, 67% delas utilizam redes sociais e 83% delas assistem vídeos, programas e séries na rede. Cerca de 8% delas se sentiram incomodadas após contato com imagens ou vídeos de conteúdo sexual na Internet; 16% tiveram contato com conteúdos sensíveis sobre formas de machucarem a si próprias e 11% com vídeos e imagens sobre uso de drogas. Promover aprimoramentos na política de classificação indicativa para que sites e conteúdos disponibilizados na Internet passem a conter indicação etária, para que pais e responsáveis possam ter conhecimento prévio para escolher conteúdos adequados à formação de seus filhos, parece-nos uma tarefa cada vez mais importante de ser abraça pelo Estado, pelas empresas, por produtores de conteúdo, pelas famílias e pela sociedade em geral;

5. Como afirma a Portaria 1.189/18, classificação indicativa é uma política pública que implica no dever de promover a divulgação de informações consistentes e de caráter pedagógico para garantir à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de conteúdos inadequados. O sistema de classificação indicativa representa, assim, um ponto de equilíbrio, que deve velar pela integridade das crianças e dos adolescentes, sem deixar de lado a preocupação com a garantia da liberdade de expressão. A não aplicação da classificação etária, sobretudo em conteúdos audiovisuais não cobertos pela política pública, não representa, entretanto, a prática de crime. Tampouco a divulgação de qualquer material impróprio, com linguajar inapropriado para crianças e adolescentes pode ser caracterizada como prática de corrupção de menores. Não há, no ordenamento jurídico brasileiro, qualquer norma que estabeleça tal vinculação. Por mais preocupante, danosa e reprovável que possa ser a disponibilização online de conteúdos com linguajar vulgar para crianças e adolescentes, a legislação brasileira – incluindo a política de classificação indicativa – não considera tal prática uma infração penal. Muito menos o fato de crianças e adolescentes acessarem tais conteúdos pode ser visto como uma indução a práticas ilícitas, passível de caracterização de corrupção de menores.

Ao utilizar de tal expediente, o delegado responsável pela repressão a crimes de informática não apenas presta um desserviço à população, no sentido de desinformá-la sobre as leis e regras em vigor no país acerca do acesso a conteúdos online por crianças e adolescentes como se utiliza ilegitimamente de uma política pública estratégica para o país para perseguir o influenciador digital Felipe Neto. Esperamos, neste sentido, que a Promotoria de Justiça para a qual o pedido de indiciamento foi encaminhado arquive de imediato o inquérito em questão.

17 de novembro de 2020.

ANDI – Comunicação e Direitos
Organização integrante do Comitê de Acompanhamento pela Sociedade Civil para a Classificação Indicativa (CASC-Classind), da Comissão de Comunicação e Liberdade de Expressão do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e da Red ANDI América Latina de Comunicadores pelos Direitos da Infância e da Adolescência.

Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Organização integrante do Comitê de Acompanhamento pela Sociedade Civil para a Classificação Indicativa (CASC-Classind), da Comissão de Comunicação e Liberdade de Expressão do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e da Coalizão Direitos na Rede.