Encarceramento ou prisão domiciliar  para gestantes e mães de crianças?

Encarceramento ou prisão domiciliar para gestantes e mães de crianças?

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Pesquisa da ANDI – Comunicação e Direitos analisa como magistrados(as) no país veem a aplicação do direito à prisão domiciliar a mulheres gestantes ou mães cumprindo prisão preventiva.

Por Breno Procópio, assessor da ANDI – Comunicação e Direitos

 

Em fevereiro de 2018, o Supremo Tribunal Federal assegurou o direito à prisão domiciliar a gestantes e mães de crianças de até 12 anos que estivessem cumprindo prisão preventiva, por meio de Habeas Corpus Coletivo (HC 143.641/SP).

A decisão deixava claro o entendimento do STF de que a maternidade deve ser protegida – e não descartada ou interrompida, especialmente em contextos de vulnerabilidade. No entanto, isso não signfica que a questão conte hoje com consenso no meio jurídico brasileiro.

É exatamente o que mostra a pesquisa Observa analisa: A aplicação do direito à prisão domiciliar de mulheres gestantes ou mães cumprindo prisão preventiva, realizada pela ANDI – Comunicação e Direitos e Rede Nacional Primeira Infância – RNPI, em aliança com o Instituto Alana e com o apoio da Open Society Foundations.

O trabalho analisa as variáveis que influenciam a tomada de decisão de juízes e juízas ao concederem ou não a prisão domiciliar nas circunstâncias já legalmente estabelecidas como possíveis.

Para isso, foram entrevistados(as) magistrados(as) – atuantes nas Varas de Infância e Juventude e em Varas Criminais, de Audiências de Custódia e especializadas – dos estados do Acre, Ceará e Espírito Santo.

Garantias legais à maternidade vulnerável

Vale sublinhar que o primeiro instrumento jurídico a estabelecer o direito à prisão domiciliar às gestantes, mães de crianças com até 12 anos ou responsáveis por pessoas com deficiência que estejam cumprindo prisão preventiva foi o Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº 13.257/2016). Na prática, desde esta época se percebe que as decisões tomadas pelo Poder Judiciários a respeito do tema estão baseadas em análises muitas vezes subjetivas.

A nova pesquisa evidencia que nem mesmo a decisão favorável do Supremo Tribunal Federal frente ao HC 143.641/SP conseguiu eliminar a resistência de parte dos(as) magistrados(as) quanto à efetiva aplicação da legislação.

O HC e a absoluta prioridade da criança

O Marco Legal estabelece estabelece princípios e diretrizes para a formulação e implementação de políticas públicas para a primeira infância, ao reconhecer a relevância dos primeiros anos de vida no processo de desenvolvimento do ser humano.

Nessa perspectiva, a lei entende que não há como garantir os direitos da criança sem avaliar-se as condições em que transcorrem o exercício da maternidade e a relação entre mãe e filho(a). O HC Coletivo sustenta essa compreensão, ao reconhecer a necessidade de observar-se a situação de gestantes e mãe encarceradas sob o ponto de vista da absoluta prioridade da criança, conforme preconiza o artigo 227 da Constituição Federal.

Além das condições inadequadas dos presídios brasileiros para gestantes, mães e crianças, neste contexto ainda se destaca o escopo da vulnerabilidade socioeconômica. Segundo dados relativos a 2020, da plataforma de estatísticas do sistema penitenciário brasileiro (Sisdepen), 42% das mulheres encarceradas eram jovens (entre 18 e 29 anos), 67% eram negras e 34% apenas tinham o Ensino Fundamental completo.

Já segundo o Departamento Penitenciário Nacional – Divisão de Atenção às Mulheres e Grupos Específicos, em março de 2020 o país contava com 208 mulheres gestantes, 44 puérperas e mais de 12 mil mães, de crianças de até 12 anos, encarceradas.

A cultura do encarceramento

A partir da análise das entrevistas realizadas com magistradas e magistrados, pode-se perceber as subjetividades e conteúdos simbólicos que orientam decisões objetivas em relação ao aprisionamento feminino – considerando, particularmente, as percepções sobre o exercício da maternidade dentro e fora dos estabelecimentos prisionais e socioeducativos.

A pesquisa demonstra, por exemplo, que a cultura do encarceramento continua a ser alimentada como a forma mais adequada para o controle da criminalidade e até mesmo a considera como meio de garantir a proteção/bem-estar das filhas e filhos dessas mulheres.

“De forma consciente ou inconsciente, o discurso de parte das juízas e juízes entrevistados dão conta da existência de um ideal punitivista no campo jurídico, mais focado nas consequências do que na origem dos problemas sociais”, aponta o estudo.

No entanto, outra parte dos(as) magistrados(as) sinaliza que o melhor interesse da criança passa, necessariamente, pela garantia do convívio familiar e de condições adequadas para a construção de vínculos afetivos, o que não pode ser alcançado pelo encarceramento:

“Para mim o melhor interesse da criança é sempre ter a presença da mãe próxima. Então eu avalio nesses termos e concedo, normalmente, a prisão domiciliar, inclusive que a mãe vai estar ali dentro da casa […] Eu vejo como melhor interesse a presença física ali da mãe junto.”

As diferentes opiniões sinalizam que há muito o que se avançar na efetiva substituição da prisão preventiva para a domiciliar para as gestantes e mães. Apesar da importante conquista realizada no âmbito das normas júridicas, o caminho aberto pelo HC 143.641/SP ainda não pode ser considerado uma via de mão única.

Faça o download da pesquisa Observa analisa: A aplicação do direito à prisão domiciliar de mulheres gestantes ou mães cumprindo prisão preventiva e veja os resultados completos

Disponível na plataforma Observa.

Temas deste texto: Primeira Infância